quinta-feira, 31 de maio de 2007

ARMAZÉM SENADO - 100 ANOS

Conversando ontem com o Fernando, meu chapa e um dos donos de uma relíquia chamada Armazém Senado, tive a feliz notícia de que a festa em homenagem ao centenário da casa, eu disse CEM anos, será finalmente realizada em julho. Para quem não conhece, este canto nostálgico fica na esquina de Gomes Freire com Senado, bem no centro da cidade maravilhosa, e quando você entra é amor ao primeiro gole. Dentro deste pé direito de 6 metros você pode apreciar Brahma Extra, Bohemia, Original, Brahma... Sempre no calibre.



São vários os prazeres que logramos no local além de beber com os camaradas, listarei alguns:

- É muito bom debruçar os cotovelos no larguíssimo balcão de mármore enquanto se aprecia os velhos sobrados da área.

- Ficar olhando o velho Antônio, dono, do tempo do lá vai fumaça, pai de Henrique e Fernando, manusear os produtos do Armazém que são vendidos à granel só para o dia passar...

- Brincar com o eterno gato da casa, o bichano pede logo carinho quando você levanta o dedo por uma gelada.

- Conversar com os fregueses do bar também centenários. Saldanha, seu Orlando, tia Cida, tia Joana, o velho cantor. É cada causo de dar inveja do passado que não vivi.

- Ficar bebendo e olhando para os produtos que estão à venda e expostos naquelas imensas prateleiras: sandálias havaianas, caixas de maizena, potes de aveia, lustra móveis, um lustrador de pratas das antigas, latas de salsicha, macarrão, farinha, achocolatado Behring (o da caixa amarela), cachaça pra cacete, e várias outras miudezas que fogem-me da memória no momento. Ah, e sobre a porta do banheiro feminino repousa pendurado um serrote?!? Deve ser alguma mandinga...

- Se por acaso o lugar estiver cheio, ou se estiver vazio também, você pode ficar do lado dentro do balcão, sentado ou em pé.

- De comer não há variedade, praticamente frios, azeitonas de saquinho e tremoços. Delícia! Mas, se quiseres pode levar comida de casa, entrar na cozinha e fazer seu tira gosto sem problemas.

- Outra coisa importante é que o seu Antônio é América, tem até um relógio de parede em cima da porta da despensa.

- Todo o primeiro sábado do mês o Fernando coloca uma vitrola para que os fregueses levem seus discos e apreciem suas canções favoritas do passado.

Dando uma pausa nesta listagem aproveito para ressaltar este último item. Muitos sabem que coleciono lps, e por isso sempre estou neste sábado no Armazém. Quando eu chego com minha bolsa de vinis os coroas hurram de alegria. É um imenso benefício para o meu interior fazer com que aquelas pessoas se relembrem das velhas canções, teve gente que já pediu para que eu parasse pois era muito para seu coração. É Cartola, Vinicius, Altemar Dutra, Dolores, Dalva, Noel, Jamela, Nelson Gonçalves (com este o pessoal pira), Moreira da Silva, Anísio Silva, Nelson Cavaquinho, Baden, Paulinho da Viola, Geraldo Pereira... E por aí vai.



Um dia estávamos preparando a vitrola e chegou um senhor negro meio cabisbaixo, pousou-se no balcão e pediu sua cerveja. Após a música começar, puxei uma prosa com ele, seu Abreu, gente finíssima. Estava com problemas em casa e faria aquela parada no bar antes de almoçar com sua irmã como combinado. Em certo momento, aquele homem percebeu que estava sendo querido por pessoas que nunca tinha visto em sua longa vida. Interagiu conosco, abriu um sorriso e disse-me:

- Vocês estão me fazendo lembrar da felicidade por um instante...

Bicho, deu aquele nó na garganta, foi foda. Mas ao mesmo tempo pensei comigo que é por isso que estes lugares existem, para unir pessoas que precisam de outras, gerando assim este sentimento de afeto que está cada vez mais raro, porém sempre encontrado nos verdadeiros botequins. Parte dessa nossa cultura que estão querendo acabar... Coisa da "canalha" como diz o Edu.

Quando a voz de Jamelão bradou pelas humildes caixas de som do local, seu Abreu deu um pulo surpreso e voltou-me com mais palavras:

- Assim já é demais, faz tempo que não ouço Jamelão, já toquei pandeiro com ele em décadas passadas, adoro sua voz.

Em seguida pegou seu telefone para uma ligação, ele simplesmente cancelou o almoço com a irmã e pediu uma porção de mortadela para o Henrique, e ainda dividiu com os novos companheiros. É ou não é único este momento?



No dia da celebração do centenário, um grupo de samba de raíz de amigos da casa vai tocar, eu vou estar presente, assim como várias figuras amantes deste local e destes costumes. Convidei o trio de camaradas Edu Goldemberg , Szegeri, e Simas, que disseram que aparecerão por lá, e uma turma da antiga rádio Nacional também vai.

Será um momento de resistência para nossa cidade cada vez mais abandonada, assim que souber a data precisa estarei informando. Quem puder apareça por lá.

Abraço.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

LUTEMOS PELO NOSSO

No passado dia 17 comemorou-se o dia das letras galegas, língua falada na região da Galicia, Espanha, que divide origem, características e histórias com o nosso português. Três importantes escritores e membros da Real Academia Galega, juntos de seus séquitos, declararam em 1963, que esta importante data fosse comemorada todos os anos. Manuel Gómez Román, Xurxo Ferro Couselo, e Francisco Fernandez del Riego escolheram este dia pois se tratava na época do centenário do "CANTARES GALLEGOS", livro que é até hoje considerado a obra maestra da literatura galega, escrito pela máxima Rosalía de Castro em 1863.

O meu poeta, escritor e desenhista galego preferido chama-se Castelao, nascido em 1886 em Rianxo. Formou-se em medicina, mas já garoto mostrava paixão pela arte, e desde então escrevia e fazia caricaturas para revistas locais. Nos anos 20, Castelao já era considerado um dos maiores defensores da arte galega. Entrou para a política para defender a cultura de seu povo, mas com a vitória de Franco na guerra civil espanhola de 1936, teve que exilar-se, e a língua galega foi proibida de ser falada na Espanha.

Os galegos foram sempre um dos povos mais sofridos da nação espanhola, por ter os campesinos como a maioria de sua população, e todo mundo sabe que esse pessoal não tem vez mesmo. Na época da ditadura franquista, viram suas já difíceis vidas piorarem cada vez mais, e seus costumes minguarem, já que o ensino nas escolas e os meios de comunicação somente usavam o castelhano como veículo de expressão. Quando a Editorial Galaxia foi fundada em 1950 a situação começou a mudar, pois foram resgatados e publicados vários livros com a língua galega. Castelao voltou para sua terra onde continuou lutando pela identidade da mesma até a hora de sua morte. Em 1983 o galego foi oficialmente declarado língua, deixando de ser um simples dialeto.

Meu falecido pai era imigrante deste lugar assim como meus tios, e todos passaram fome quando pequenos, mas conseguiram vencer unidos. Cansei de ver meu pai com os olhos cheios de lágrimas ao ouvir canções tradicionais galegas, já que em sua maioria as letras falam do banzo, "morriña" em galego, do sofrimento dos camponeses, e dos pescadores que vão ao mar e não voltam mais. Cresci absorvendo este sentimento e entendendo aos poucos porque aquilo emocionava meu velho, e me apaixonei por tudo isso. Morei uma época na Galicia para me aproximar do que pertencia somente ao meu imaginário, aprendi muita coisa, falo um galego fluente, e hoje sou eu que choro ao ouvir as velhas canções.

A nossa rica cultura brasileira também perdeu imensamente com esta ditadura filha da puta que tivemos, e muitos calaram-se contra vontade. E hoje também vivemos uma ditadura em que nossa plebe é obrigada a assistir merda atrás de merda na que chamo desgraça do mundo, a televisão. E como não temos educação neste país, somos facilmente doutrinados pelos grandes ditadores da mídia atual, vocês sabem de quem falo, a adorar o que não é nosso, até que um dia o verdadeiro nosso morrerá no esquecimento. Ainda tenho esperança que podemos reverter pelo menos um pouquinho esta situação, mas com força e grito, falando o que deve ser falado. Vestir-se de branco e dar um abraço na lagoa não adiantará porra nenhuma.

Lutemos pelo nosso folclore e cultura.

Viva a minha GALICIA e viva o meu BRASIL.


Deixo com vocês duas caricaturas em forma de protesto de meu querido Castelao.



lê-se: As sardiñas volverian se os gobernos quisesen


lê-se: Os esclavos do fisco.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

MINHA NOVA CRIANÇA

Em 1959 minha mãe tinha 3 anos, os americanos dominavam o Alasca, começava a revolução cubana, e nascia também a minha mais nova companheira, que vive comigo desde sábado. Falo da querida vitrola valvulada Philips, pouca foram fabricadas, uma raridade que toca vinis de 78 rotações e ainda por cima você pode empilhar os discos enquanto o outro toca, e logo depois eles vão caindo e reproduzindo as canções automaticamente... É alta tecnologia, e te garanto que não quebra igual a estas merdas de tocadores de mp3. Sem falar do som, só ouvido para perceber a qualidade única de um aparelho à válvulas.

Sábado à tarde fui com meu cunhado André ao Armazém Senado, pra variar, pois era o dia da tarde do vinil. Chegando lá, com os meus debaixo do braço, fomos surpreendidos por um defeito na vitrola do Armazém, e sendo assim, nada de música. Tomamos duas cervejas e decidimos dar uma volta na feira do Rio antigo da Rua do Lavradio. Estava rolando um chorinho ao vivo bem bacana, e a feira com muita gente, cheia de vida e coisas interessantes para olharmos. Ainda por cima encontramos nosso camarada Darcy, que iniciou um agradável passeio conosco. Antes um pouco antes de chegar a esquina com a av. Men de Sá, me deparei com esta maravilha de 1959 em uma barraca. Puxei o André pelo braço e falei:

- Meu irmão, dá uma olhada naquilo!

Ele riu pra mim já sabendo que ficara louco pela vitrola. Estava olhando e muitas pessoas também, inclusive fotografando, até que a moça da barraca me conheceu:

- Você não é o Felipe? Aquele que compra discos na barraca do meu marido na Rua dos Inválidos, o Reinaldo?

- Exatamente. Não sabia que a senhora era a esposa dele.

- Sou sim, e ele está vindo aí. Você gostou da vitrola né? Se quiser levar separo pra você, e pode pagar na segunda.

- Ainda estou meio na dúvida. Vou dar uma andada para pensar e depois volto para falar com o Reinaldo.

Essas titubiadas que são foda. Já deixei de comprar muito disco raro por causa dessa porra, deixo pra depois e quando volto alguém já levou. Fiquei conversando com o André para ver o que achava e ele disse:

- Leva logo cara, você é maluco por essas coisas mesmo. Eu compraria sem pensar, depois vai se arrepender...

Nessa hora eu gelei e entrei e desespero:

- Vou pegar a grana no banco e vamos voltar logo, tomara que alguém não tenha comprado.

Reinaldo já estava lá, e ela também, ainda órfã. Me senti um pai quando reencontra seu filho perdido, que felicidade. Fechei negócio com Reinaldo e levamos a criança ao Armazém, para que pudesse ser testada e para podermos continuar com a tarde do vinil. Todos ficaram olhando com ares de passado, a coroada ficou doida e eu muito feliz com tudo aquilo. Botei logo um Nelson Cavaquinho e depois um Robertão das antigas.





Fiz um filminho dela e coloquei no Youtube para quem quiser dar uma olhada, é so clicar aí em cima. Agora ela está aqui do meu lado me dando alegria em troca de carinho e cuidado. Ainda bem que a Heloisa entende e não fica com ciúmes. Quem quiser visitá-la pode dar uma passada aqui em casa.

Até a próxima.

terça-feira, 1 de maio de 2007

O FÍGADO DO JOAQUIM

Domingo, Flamengo e Botafogo jogando na televisão, e eu com minha camisa do América de 1960 sentado à mesa do bar do Joaquim juntamente ao meu tio-pai Celestino e meu irmão Zé. Eu e meu tio estávamos tranquilos, já o Zé... Flamenguista doente, sofria com a pressão inicial da equipe alvinegra. Um pouco depois chegava Edu Goldemberg, fantasiado da cabeça aos pés de vermelho e preto, fiz até o sinal da cruz. Sentou-se conosco e começamos todos a beber juntos, pedimos pastéis e uma porção de radaba com agrião. Meu corpo não estava satisfeito, e foi então que decidi pedir o manjar dos deuses: Uma porção de iscas de fígado acebolado com batatas coradas!!! Foi só vir pra mesa que todos começaram a desejar aquele prato maravilhoso, depois desta vieram mais umas três porções.

Estava conosco também o pessoal do Inimigos do batente, um excelente grupo paulista de samba de raiz, que degustaram e ficaram maravilhados com a iguaria. Zézin e Edu arrancavam os restos de seus cabelos em prol da batalha que se realizava no templo Maracanã. Até que o Zé foi ao banheiro e o Botafogo abriu o marcador. Foi uma gritaria geral:

- Filho da puta! Quem mandou se levantar para ir ao banheiro!

- Tava apertado, mas prometo que mijo nas calças da próxima vez...

Não adiantou muito, o time preto e branco ampliou o placar logo depois, mesmo sem banheiro. Todos ficaram desolados e ao mesmo tempo putos da vida, vendo o urubu perdendo daquele jeito ainda na primeira etapa. E foram-se mais garrafas de Boemia e Brahma, e também começaram a chegar alguns maracujás.

No segunda tempo foi um pega pra capar, roeram-se unhas, bateu-se na mesa, gritos e xingamentos saíram de bocas rubro-negras. Mas por pouco tempo. Na hora do penal, urraram como animais e não olharam para a tela na hora do tiro ao gol, somente quando escutaram que a bola tinha estufado a rede. E quando o empate aconteceu a felicidade dos flamenguistas foi geral, eu continuei na mesma, bebendo minha cerva e de barriga cheia, mas agora com amigos mais felizes.

Saímos dali para comemorar o aniversário do Edu no Trapiche Gamboa, com o grupo Inimigos do Batente e canja de Dorina e Beth Carvalho. E desta vez para hidratar, bebíamos Original. Aproveito aqui para recomendar a casa. O Trapihe é um casarão na Gamboa com um pé direito de 13 metros de altura e datado de 1867... Não preciso falar mais nada, foi mais um dia com ar de antigamente.

Até.