terça-feira, 30 de dezembro de 2008

BAR DA DONA JOSEFA

Dirigia há algum tempo por uma estradinha de barro, estava indo visitar o pessoal do quilombo Santa Isabel, na divisa entre Rio e Minas. No toca-fitas Orlando Silva cantava "Mágoas de um Caboclo", a paisagem era bonita demais, fazia calor, e eu estava com bastante sede. Sabia que no caminho passaria por um vilarejo chamado Pedro Carlos, pois fui informado antes por um amigo:

- Vais passar por Pedro Carlos, mas cuidado. O local é tão pequeno que é capaz de você nem perceber que passou por ele.

Dobrei minha atenção após o aviso, e cheguei sem erro. Meia dúzia de casas, cavalos com latões de leite no lombo, e gente admirada com um carro por perto. Reduzi a velocidade para olhar melhor o lugar, e como um sedento no deserto encontrei meu oásis, a única birosca da região. E estava aberta!

Quando entrei no bar só haviam um homem e um cão, os dois do lado de fora do balcão. O senhor viu minha cara de desesperado e disse que a dona já viria. Tardou um ou dois minutos. Era uma senhora negra de uns cinquenta anos, e com um lindo sorriso me perguntou:

- Cerveja?

Respondi:

- Sim, uma garrafa bem gelada.

E ela:

- Claro, claro... A propósito, me diz uma coisa... Está perdido?

E eu:

- Perdido? Não, por quê?

- É que ninguém pára em Pedro Carlos!

Começamos a rir, e nesse meio tempo ela trouxe a cerveja. Como desceu a bichinha, estava bem gelada.

A simpática senhora, que se apresentou como Josefa, foi logo puxando uma conversa. Disse que no começar da noite haveria um bingo bem bacana na casa de uma vizinha, e me convidou. Lhe falei que não iria comparecer por causa da hora, e ela para tentar me convencer me informou que o prêmio principal era um liquidificador. Como viu que mesmo assim não teria jeito, perguntou para onde estava indo. Quando ficou sabendo que estava a caminho do quilombo Santa Isabel, me apontou para o senhor da outra ponta do balcão.

Era o homem que estava com o cão. Aparentava uns setenta anos, negro, e estava devorando umas asas de galinha. Aliás, a comida do local é de primeira. Dona Josefa acabara de colocar na estufa uma bacia cheia de asas, outra com moelas, outra com manjubas, e por último uma de linguiças. Coisa fina, de dar inveja pra muito "barzeco" de grife por aí. Felizes são os moradores de Pedro Carlos.

Voltemos ao senhor. Chama-se José, o caboclo, e logo no início da prosa descobri que ele era de Santa Isabel, por isso que dona Josefa me apontara o senhor. Conversamos bastante. Contou-me muito do quilombo, e falou que apesar da idade ainda mandava muito bem no jongo.

A minha parada em Pedro Carlos que era para ser curta durou duas horas.

Durante este tempo o seu Zé deve ter comido umas vinte asas de galinha, para a alegria do seu cachorro chamado Jão, que ficou com os ossos. Eu fui de manjuba, estavam divinas.












Passei um momento muito bacana com estas pessoas num lugar considerado fim de mundo. Posso afirmar que foi uma das partes mais prazeirosas de meu passeio.

O bar da Dona Josefa já está no meu coração, e as cervejas geladas e os quitutes deliciosos ficaram na minha memória.

Já tenho data marcada para voltar.

Até.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

BARBEARIA DO SEU MANEL

Seu Manel, como é carinhosamente chamado, nunca saiu do interior do estado. Nasceu em uma fazenda na região do Vale do Ciclo do Café, e há 53 anos comanda esta barbearia em Conservatória.

Fui visitá-lo, e ao entrar logo se percebe que é botafoguense fanático. Até o caderno de anotações tem o escudo alvinegro, e seu cachorrinho chama-se Mané. Perguntei-lhe se era a única barbearia da região, e ele respondeu:

- Lá no final da rua tem um salão desses metido a besta. O meu é tradicional.

E é mesmo. Barba só na navalha, aparelhos de barbear do tempo do onça, móvel antigo de jacarandá com a foto da sua falecida esposa, e cadeira de barbeiro de 1890.

Só não entrei pra fazer a barba porque tinha acabado de fazê-la.

Joguei uma conversa fora com ele, e depois tive que sair pois a freguesia começou a chegar.



















Aproveitei para visitar depois o Quilombo Santa Isabel, mas isso é outra história.

Mais uma vez recomendo que visitem esta cidade (veja minha outra visita aqui), é voltar no tempo.

Até.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

UMA ESCOLA TIJUCANA

A Tijuca tem vários colégios, e muito são conhecidos. Temos o Orsina da Fonseca, o Mario Claudio, o centenário Afonso Pena (fez cem anos no último dia 30), o tradicional Colégio Militar, o Colégio Pedro II (onde estudei no ginásio e científico), o Palas, o Baptista, e por aí vai...

Mas o meu sonho mesmo era de ter estudado no gigante Instituto Lafayette, que no final dos anos oitenta virou Fundação Bradesco.

Esta escola foi fundada em 1916 pelo professor La-fayette Cortes, que já começou inovando. Foi o primeiro colégio carioca a preparar os alunos para trabalhos de oficina e laboratório, ou até mesmo para os campos de agrimensura e topografia, química industrial, mecânica, e eletricidade prática. As meninas procuravam os cursos de datilografia e estenografia.

Pouca gente sabe, mas existiam três Institutos Lafayette. O principal era na Haddock Lobo (onde fica a Fundação Bradesco), o segundo na Conde de Bonfim, e o terceiro na Praia de Botafogo nº 348, esquina com Visconde de Ouro Preto.

O imenso Lafaytte da Haddock Lobo tem uma história bacana a ser contada. Aquele espaço todo, aquele palácio imponente (uma espécie de Quinta da Boavista da Tijuca), é do século XIX, e pertencia à um rico negociante da época chamado Jerônimo José de Mesquita (1826-1886), o Barão de Mesquita, que por sua vez era filho de José Francisco de Mesquita (1790 - 1873), o Conde de Bonfim. É isso mesmo. Em 1898 a residência virou um colégio chamado Sul Americano, e depois sim, veio o glorioso Lafayette. Na Haddock Lobo ficavam os rapazes, somente os rapazes.


Foto de 1941 do Instituto Lafayette da Haddock Lobo.


As meninas estudavam no Lafayette da Conde de Bonfim, na antiga sede do Clube Tijuca. Antes do Clube, a casa servia de moradia para o nosso Duque de Caxias. A ala feminina foi abaixo nos anos setenta após um misterioso incêndio, dando o lugar para a Mesbla.


Foto de 1906 do Clube Tijuca, que depois virou a ala feminina do Lafayette.


E o terceiro e último Lafayette, ficava em Botafogo, não é blague. Em 1927 inaugurou-se esta unidade, que era chamada de departamento misto. Ali os meninos e as meninas podiam dividir a sala de aula. Durou até 1944.


Departamento Misto do Lafayette, em Botafogo.

Este era um colégio antológico, histórico, e tijucano. Vive na memória dos moradores até hoje com muito orgulho. Afortunados são os que vestiram aquele uniforme.

Quando passar diante deste monumento, pare, e admire por cinco minutos que seja.

Até.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

TIA GLÓRIA

A tia Glória é a responsável por deixar bem limpinha a rua do Senado e seus arredores. Trabalha duro, ganha pouco, mas não perde a graça. Aos sábados ela começa mais cedo, pois sabe que à tarde sempre tem um furdunço no armazém.

Está aí um lugar onde ela é tratada como uma rainha. Os homens do local se acotovelam para servir a senhora. Eu mesmo faço questão de abrir sua cerveja e depois colocar no copo. Como é boa de papeio a tia Glória, sabe de tudo, e sempre nos conta o que está acontecendo pelas redondezas. E às vezes entra na cozinha e faz uma panelada de língua pra rapaziada.

Semana passada fiquei sabendo pelo Mendonça que ela vai se aposentar. Todos andam tristes, inclusive ela. Quero aqui, hoje, no dia de seu aniversário, 4 de dezembro, dizer para esta senhora que ela é muito importante em nosso Armazém, e nas ruas do centro. Mas apesar disso tudo acho que é preciso descansar, beber sua cerveja um pouco mais tranquila.

E pelo que conheço dela, acho difícil que fique parada. Alguma coisa já deve estar matutando para fazer.


Mendonça, eu, e tia Glória.


Obrigado pelo carinho com nossas ruas, e com as pessoas simples que a vida colocou em seu caminho.

Beijo grande.