sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O DESTINO DE YOLETE

Seu Ary tinha sessenta de dois anos e morava numa casa de vila na Pereira de Almeida, no bairro da Praça da Bandeira. Era casado com Yolete, mulher dez anos mais nova, pudica, que conhecera no colégio Lafayette. Na época Ary trabalhava numa quitanda do tio que ficava ao lado da escola, e a pequena Yolete sempre passava por lá pra comprar fruta do conde, sua preferida. Na verdade, ela era gamada mesmo num menino chamado Isaac, da série posterior, mas o garoto era tão safado com ela, que para tirá-lo de sua mente começou a se envolver com o Aryzinho. Ary e Yolete se casaram depois de namoro e noivado, como manda o figurino, e foram morar nesta adorável vila. Tiveram uma única filha, chamada Ligia. Quando era pequena os vizinhos pensavam que ela era retardada, mas estavam enganados. Ligia, com o apoio dos pais, se tornou uma pianista exímia, e depois de ganhar um concurso internacional foi morar em Varsóvia, na Polônia. Fez questão de levar na bagagem seu primeiro piano, que ganhara de presente de seus pais após grande negociação realizada na Casa Milton da Mariz e Barros. Ligia nunca mais voltou ao Brasil, seus pais apenas recebiam notícias via carta ou telefone.

Yolete, uma linda e atraente senhora de cinquenta de dois anos, era do lar. Havia feito um curso de corte e costura no Instituto Universal Brasileiro, e por isso ganhava uns trocados fazendo pequenos trabalhos nesse ramo. A dona era fascinada por programas de rádio e sempre estava atenta na Nacional para ouvir Ângela Maria, de quem era fã ardorosa. Yolete chegou a ganhar, num sorteio realizado na rádio, uma visita da cantora em sua própria casa. Foi um auê na Praça da Bandeira. Ary, depois que saiu da quintada, aos vinte e seis anos, arrumou um empregaço na Casa José Silva da Miguel Couto, no Centro no Rio. Era a boutique mais badalada e chique do momento, que vendia apenas o último grito em modas. Começou como vendedor de porta, mas como era um cara muito elegante e gostava de roupas finas, chegou a ser o chefe da sessão de ternos. Atendia pessoas importantes da sociedade, inclusive políticos. Ary, ao contrário de sua esposa, era um homem muito extrovertido e boêmio. Falava pra cacete, era presidente da associação de truco da Praça Afonso Pena e gostava de estar nos bares do bairro com seus amigos.



Yolete tinha orgulho do seu diploma. Preencheu um cupom como este.



A Casa José Silva foi importante para a vida de Ary.



Ângela Maria fez questão de passar o café para sua fã da Praça da Bandeira durante a visita.




O casal se dava bem, e Yolete não se importava do marido sair para jogar ou beber uma cerveja pois sabia que o mesmo era trabalhador. Ela saía somente por perto ou para visitar familiares. Ary não gostava de levá-la para passear à noite por causa de ciúmes, mas sempre a levava para conhecer os pontos turísticos do Rio aos domingos. Ela gostava dos passeios, se divertia, esquecia um pouco o cotidiano repetitivo dentro de casa. Aliás, em casa eles se entendiam perfeitamente. Todos os dias, religiosamente, o bicho pegava na cama. Ela deixava a timidez de lado e chegava a ser até um pouco vulgar por causa de seus gemidos sem controle. Era naquele momento que ela libertava a voz aprisionada durante o dia. Ele era apenas um animal em forma de homem, batia no peito e se achava o mais viril do mundo. Este era, definitivamente, o ponto forte do relacionamento. Nos dias de ebulição do casal os vizinhos da vila ficavam espantados. Alguns deles, os marmanjos, tinham sua imaginação atiçada. Qual seria o papel de uma mulher tão calada e quieta dentro de quatro paredes?

Ary era feliz, e a única coisa que lhe incomodava era a ausência de Ligia. Yolete era meio triste por ficar muito tempo só, sentia muito mais falta da filha, mas o que lhe restava era deixar o tempo passar.

Numa segunda-feira depois do almoço, ela liga para o trabalho do marido para avisar que iria visitar sua irmã Cecília que estava doente, nada de grave. Cecília morava numa casa na rua Filomena Nunes, em Olaria. Passaram uma tarde gostosa, comeram bolo de fubá com café e botaram o papo em dia. Às dezesete horas se despediram, pois a lotação já estava para passar. O destino, sempre nos pregando peças, iria entrar em ação para mudar o rumo da vida do casal. A lotação em que Yolete estava voltando para casa bateu de frente, e de forma violenta, no bonde linha 93 que rumava para a Penha. Foi um feio e estrondoso desastre. Quando soube da notícia, Ary correu para o hospital para ver o estado de sua senhora. Ela estava com a cabeça toda enfaixada na enfermaria. Ficou internada por algumas semanas, e além de perder todos os dentes, fez exames que constataram que Yolete perdera a fala e parte da audição. Foi uma tristeza enorme.



O desastre que mudou a vida de Yolete.



Com o passar do tempo, a vida foi voltando ao normal. Ela às vezes sentia dores na cabeça e tentava se acostumar com a nova situação. Ary ficou chateadíssimo. Sentia pena da mulher e ajudava no que podia, mas depois de poucos meses uma coisa começou a lhe incomodar muito, o desejo carnal não era o mesmo. Tinha pena da coitada e não a via mais como um pedaço de pecado. Além do mais, no lugar dos gemidos estridentes que lhe davam tanto tesão vieram os sons fanhosos de Yolete. Ele odiava aquilo, e por isso chinês caolho começou a falhar. Ele mudou de comportamento, ficava o dia inteiro de cara fechada, e seu rendimento no trabalho caiu. Seus amigos de bar e de truco, sabendo da situação, começaram a botar merda na sua cabeça. Veio então a idéia da separação. Ao saber que seu marido estava pensando nisso, Yolete tinha que fazer algo, pois não queria perder seu viril elegante. Desesperada, partiu um dia para a zona do mangue para procurar uma prostituta. Queria ajuda. Na Pinto de Azevedo encontrou Olga, uma polaca grandona e ao mesmo tempo muito simpática. Contou seu caso para ela com sinais e escritas, e deu uns cruzeiros para que a puta gravasse uns gemidos em seu gravador portátil. Olhem como estava a pobre. Pois é, na mesma noite tentou uma sacanagem meio tecnológica, e assim que foram para cama ela apertou o "play" do gravadorzinho e os gemidos da polaca ali estavam. Ary riu, gargalhou, e ela desabou no choro.

O casamento de anos estava abalado. Yolete ficou deprimida, não reagia. Ligia se correspondia com ela com mais frequência mas mesmo assim não bastava. Ary começou a beber como um bode e sempre chegava em casa fedendo e agressivo nas palavras. Sua mulher ficara surda, mas não totalmente, e ouvia algumas das ofensas. Voltara algumas vezes à Pinto de Azevedo, onde para sua surpresa, recebera carinho e ficara amiga de Olga e de outras meninas. Falavam muito de Ligia, pois estava morando na Polônia. Esses dias de situação ruim em casa foram costumeiros, até que numa noite de sexta-feira Ary veio disposto a acabar com tudo. Ele queria outras mas não tinha coragem pois era casado e não tolerava traição, e ainda por cima soube pelos parceiros que sua senhora foi vista na zona. Um bafafá danado se instalou na vila e todos escutavam os berros ofensivos que eram desferidos contra ela. Ele foi o mais canalha possível, não pensou no passado de alegrias e a enxotou de casa apenas com uma muda de roupas. Saiu chorando muito a infeliz, com uma vergonha sem tamanho, como um cão sem dono.

Nos dias seguintes ele foi trabalhar como se nada tivesse acontecido, e sua vida e alegria foram voltando ao normal. Truco, bebida e desta vez mulheres. Depois de duas semanas resolveu ligar para Cecília perguntando se Yolete estava bem, presumindo que ela se refugiara em sua casa, mas a cunhada disse que não a via desde o dia do acidente. Yolete havia sumido. Ele ficou encucado com isso por uma semana mas depois relaxou. Era putaria todos os dias, carraspanas homéricas, mulheres variadas... Seus amigos, quase todos casados, não podiam lhe acompanhar em tudo pois tinham hora para chegar em casa. Os mesmos que falavam para que se separasse botavam o rabo entre as pernas na hora agá. Poucos eram, na verdade só os mais vagabundos pinguços, os que ficavam até tarde da noite com ele. Ary, que já não era um garoto, estava se acabando, e na verdade, no miolo do peito, sentia falta de uma esposa.

Meses se passaram com a mesma rotina para ele e depois de quase um ano soube notícias de sua mulher. Alguém desconhecido comentara no bar que ela havia sido vista numa das janelas da região do mangue. Ele ficou uma arara, mas não teve coragem de ir lá para conferir. Yolete buscara abrigo com a polaca Olga, e ficou hospedada num quartinho em troca de serviços como faxina e costura. Da família, somente Ligia sabia de seu paradeiro, e sempre que podia mandava um dinheiro para a mãe. Yolete pensou que a vida tinha acabado pra ela, mas o destino, o mesmo que lhe pregou a peça do acidente, iria voltar. Como estava desiludida, querendo esquecer de vez o desgraçado do marido, perguntou para a polaca se podia entrar no time das meninas da vida. Olga explicou tudo, detalhou como era aquela vida, mas Yolete não tinha nada a perder e iniciou uma nova profissão. Era tímida no começo, mas depois foi se acostumando até chegar num ponto em que virou a preferida da rapaziada, um loucura. Ela já havia passado dos cinquenta mas estava inteirona, tinha as coxas ainda firmes e roliças, faziam fila por causa dela. O enorme sucesso veio por causa de uma técnica que ela desenvolveu ao longo da jornada laboral, o gengivete. Era basicamente um sexo oral sem dentadura de forma mais pausada. Sei que o troço quando praticado de forma perfeita, era como se fosse um xeque-mate pastor, bastavam quatro movimentos e acabava a brincadeira, o malandro já arriava. A notícia se espalhou e ela não estava dando conta de tanta demanda. Recebeu um dia, numa visita de um gringo dinamarquês, uma proposta para estrelar num filme pornô da Color Climax Corporation, indústria excelente que dava banho nos super 8 americanos. Ela recusou pois tinha medo de aparecer por aí sabe-se lá aonde. Estava certa.


Yolete negou trabalho na CCC para preservar a imagem.


Os amigos de Ary se inteiraram do talento de sua mulher, ou ex-mulher, e depois disso a chacota e humilhação arruinaram o velho homem da Praça da Bandeira e arredores. Perdeu o emprego, os "parceiros", largou o truco e parou de pensar em mulheres. Queria sumir. Num dia de rara coragem passou no prostíbulo, e depois de um ano ficou cara a cara com Yolete depois de encontrá-la. Não estava agressivo, pelo contrário, estava choroso, e assim com esperança suplicou o retorno de sua pudica ao lar. Mas de pudica ela não tinha mais nada, estava com um sorriso radiante. Num ímpeto louco e debochado começou a dançar fazendo malabarismos com suas três dentaduras, gargalhava emitindo sons fanhos alucinados, e olhava para o céu colocando suas gengivas de ouro ao vento. Ary saiu correndo com as mãos apertando a cabeça, e este sim, nunca mais foi visto.