quarta-feira, 21 de agosto de 2013

C. B. ESTUDANTIL, O VALENTE TIJUCANO

Falando mais uma vez de bares, o grande propósito deste espaço, venho hoje escrever-lhes sobre o Café e Bar Estudantil, valente boteco tijucano. Digo valente porque este pé-sujo, também conhecido como Bar do Xoxó, resiste bravamente aos riscos diários de sucumbir à modernidade. Isso deve-se muito ao dono da birosca, mas principalmente aos fregueses, que são fiéis. Conheço quase todos, são figuraças. Temos o Benito de Paula preto, a Sem Família, o André, o Jorge, o Pica-Pau [que anda sumido], o velho do tique nervoso, o gordo da rádio Manchete, o Gattito, a mulher do cachorro, o bigode da loja de tintas... 

A primeira história que vou contar do local é um mistério. O bar é apertado, cotovelos batalham bravamente por um espaço no balcão, e para entreter o pessoal tem uma tv de quatorze polegadas que funciona na base do bombril. Pensando em melhorar o serviço, o Xoxó comprou [ou alugou, não sei] a loja colada ao bar, que era uma farmácia, e ampliou o local. Colocou mesas bacanas de madeira, fez uma pintura legal e comprou uma televisão dessas grandes e finas. Mas para assombro geral, o novo espaço fica praticamente vazio, os fregueses acharam limpinho demais, não sentiram-se à vontade e preferem o balcão velho e a tv com bombril. Coisas de um bairro chamado Tijuca.

...

Presenciei dia desses por lá algo que teve o Jorge como protagonista. Era uma noite de domingo, coisa das vinte horas, e tinham uns cinco coroas reunidos na porta do boteco, todos da área, completamente mamados. O Jorge, que já tinha passado ali para bater o ponto, teve que ir ao mercado e na volta iria passar novamente pelo Estudantil antes de entrar em casa, era caminho. Pois bem, quando ele aparece na esquina, com umas quatro sacolas, o pessoal começou a gritar:


- Senta aqui pra saideira! 


- O que compraste no mercado?!


O Jorge não precisou de insistência e sentou para beber mais uma. Todos já estavam com a pança cheia de churrasquinho do Gattito. De cerveja nem se fala. Até que um malandro puxa um pote que estava em uma das sacolas do Jorge e urra da calçada: 


- SORVETE!!! Vamos abrir! É passas ao rum, porra! 


E o Jorge: 

- Minha mulher pediu pra comprar, aí é avacalhação!

Mas os outros da turma queriam também: 

- Ah, deixa a gente abrir, cacete, precisamos de sobremesa. Fala pra tua senhora que não tinha. 

O Jorge, grande torcedor do Botafogo, cedeu facilmente, tudo pela amizade:

- Vamos comer essa bagaça, então, mas eu me sirvo primeiro. 
- Ô Zé, traga colheres para estes homens! 

E o pote de dois litros esvaziou-se em questão de minutos. Sabe-se lá o que ele falou ao chegar em casa.

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Há uns dois anos estava eu fazendo um tour etílico pelo bairro com o meu mano de São Paulo, o Fernando Szegeri, o mano carioca, o Edu, e acho que o japonês Craudio estava nessa também. Andamos por uns cinco botecos, fechando todos, mas queríamos a saideira. Não lembro que horas eram, mas já era bem tarde, alta madrugada. Quando chegamos defronte ao Estudantil, era o último botequim a ser conquistado, as portas encontravam-se arriadas. Por um instante bateu-nos a melancolia. Mas ao olharmos com atenção vimos as luzes acesas do lado de dentro, ou seja, tinha gente. Batemos na porta e ao mesmo tempo colocamos um mico [ou vinte mangos] pela fresta pedindo cerveja. Me identifiquei, então o rapaz [acho que era o Baixinho] abriu, nos olhou com esgar sorridente e disse que já estavam saindo e portanto não poderiam esperar que acabássemos a cerveja. Mas ao mesmo tempo [veja como este bar acolhe seus fiéis] disse-nos que nos venderia cinco ampolas e após terminarmos poderíamos deixá-las, junto com os copos americanos, no canteiro da árvore que fica logo em frente ao lugar. Agradecemos ao pobre homem, que estava morto após extenuante jornada laboral, quase de joelhos, como se ele fosse um rei.





...


O Café e Bar Estudantil e eu vivemos inúmeras vezes lado a lado. Numa delas, com meu irmãozinho Arthur Tirone, o Favela, fechamos uma pá de botecos [um deles o antigo Columbinha, dia em que ele conheceu o Berinjela, ícone tijucano] e por último ancoramos lá. Pedimos cerveja, mas em pouco tempo a fome negra da madrugada bateu à porta do nosso estômago. No canto da estufa, um pedaço de costela desamparado comoveu-nos. Mandamos pra dentro, delícia. Noutra vez, voltando de São Januário com o Tito após vermos o Palmeiras e ele levar uma cacetada do guarda ainda na arquibancada, bebemos umas por ali, foi memorável também. Com meu irmão de sangue, o André, que mora ao lado, foram várias ocasiões. Em uma delas presenciamos um senhor e sua viola, que deu seu show ali no balcão para nós, para um cabeça branca que sempre está bebendo sua lata de faixa azul (saudade) e para anônimos que ali estavam ou passavam pela calçada. Coisas que ficam marcadas. Por essas e outras é que afirmo que a valentia do Café e Bar Estudantil é comovente, constrói passagens bonitas na memória da gente que jamais serão esquecidas. Quando você percebe, o tempo é ligeiro, o boteco já faz parte do seu cotidiano, da sua família, de você. Torço muito para que o C. B. ESTUDANTIL seja um parceiro de longa data.



Favela no balcão



A costela que comemos


Noite com meu irmão André

Até.

domingo, 18 de agosto de 2013

O FIM DO BONITO JARDIM DA QUINTA BAR

Soube nesta semana através do camarada Tande Biar, grande torcedor do São Cristóvão e morador do bairro, que o glorioso bar da Dona Olinda, o Jardim da Quinta Bar, fechou as portas. Passei ontem por lá e para ser mais preciso, não fechou, mas mudou o comando. Então fechou, oras! Pois é, conversei com o caboclo que estava atendendo e ele me disse que o ponto foi comprado. Já começaram as mudanças, colocaram uma estufa medonha e, o pior, entrarão prontamente em reforma geral. Realmente uma pena.







É mais um boteco clássico do Rio de Janeiro que ficará apenas na memória dos benditos que pisaram naquele santuário comandado pela senhora portuguesa e sua filha, a Vera. Um bar com alma gigante que acolhia qualquer tipo de gente, sempre com o mesmo zelo. Dos transeuntes forasteiros aos vizinhos ali do Largo do Piolho, dos granfinos aos maltrapilhos, dos policiais da 17ª DP, que fica ao lado, aos gatunos. Todos estes sempre foram recebidos com um sorriso largo dos lindos azulejos floridos de cor laranja, com um abraço apertado das prateleiras de bebida, com o carinho do velho balcão e com o olhar protetor da imagem de São Cristóvão na parede. Aliás, além da imagem do santo, escudos de um time do bairro decoravam o local. O Vasco da Gama. 





Dona Olinda, sempre com um paninho na cabeça, estava há cinquenta anos no comando da cozinha. E como brincava de fazer comida! Bolinhos de bacalhau, bobó de camarão - às sextas -, pratos caseiros em geral e as deliciosas e famosas empadas de camarão, carro chefe da casa. Geralmente eram três fornadas ao dia. 







O velho Jardim da Quinta Bar deixa muitos cotovelos órfãos, que a partir de agora terão que buscar repouso noutros balcões acolhedores. Arrancaram um bonito pedaço do bairro de São Cristóvão, os amantes dos bares tradicionais estão de luto e já sentem saudade. 

Até.