terça-feira, 30 de dezembro de 2008

BAR DA DONA JOSEFA

Dirigia há algum tempo por uma estradinha de barro, estava indo visitar o pessoal do quilombo Santa Isabel, na divisa entre Rio e Minas. No toca-fitas Orlando Silva cantava "Mágoas de um Caboclo", a paisagem era bonita demais, fazia calor, e eu estava com bastante sede. Sabia que no caminho passaria por um vilarejo chamado Pedro Carlos, pois fui informado antes por um amigo:

- Vais passar por Pedro Carlos, mas cuidado. O local é tão pequeno que é capaz de você nem perceber que passou por ele.

Dobrei minha atenção após o aviso, e cheguei sem erro. Meia dúzia de casas, cavalos com latões de leite no lombo, e gente admirada com um carro por perto. Reduzi a velocidade para olhar melhor o lugar, e como um sedento no deserto encontrei meu oásis, a única birosca da região. E estava aberta!

Quando entrei no bar só haviam um homem e um cão, os dois do lado de fora do balcão. O senhor viu minha cara de desesperado e disse que a dona já viria. Tardou um ou dois minutos. Era uma senhora negra de uns cinquenta anos, e com um lindo sorriso me perguntou:

- Cerveja?

Respondi:

- Sim, uma garrafa bem gelada.

E ela:

- Claro, claro... A propósito, me diz uma coisa... Está perdido?

E eu:

- Perdido? Não, por quê?

- É que ninguém pára em Pedro Carlos!

Começamos a rir, e nesse meio tempo ela trouxe a cerveja. Como desceu a bichinha, estava bem gelada.

A simpática senhora, que se apresentou como Josefa, foi logo puxando uma conversa. Disse que no começar da noite haveria um bingo bem bacana na casa de uma vizinha, e me convidou. Lhe falei que não iria comparecer por causa da hora, e ela para tentar me convencer me informou que o prêmio principal era um liquidificador. Como viu que mesmo assim não teria jeito, perguntou para onde estava indo. Quando ficou sabendo que estava a caminho do quilombo Santa Isabel, me apontou para o senhor da outra ponta do balcão.

Era o homem que estava com o cão. Aparentava uns setenta anos, negro, e estava devorando umas asas de galinha. Aliás, a comida do local é de primeira. Dona Josefa acabara de colocar na estufa uma bacia cheia de asas, outra com moelas, outra com manjubas, e por último uma de linguiças. Coisa fina, de dar inveja pra muito "barzeco" de grife por aí. Felizes são os moradores de Pedro Carlos.

Voltemos ao senhor. Chama-se José, o caboclo, e logo no início da prosa descobri que ele era de Santa Isabel, por isso que dona Josefa me apontara o senhor. Conversamos bastante. Contou-me muito do quilombo, e falou que apesar da idade ainda mandava muito bem no jongo.

A minha parada em Pedro Carlos que era para ser curta durou duas horas.

Durante este tempo o seu Zé deve ter comido umas vinte asas de galinha, para a alegria do seu cachorro chamado Jão, que ficou com os ossos. Eu fui de manjuba, estavam divinas.












Passei um momento muito bacana com estas pessoas num lugar considerado fim de mundo. Posso afirmar que foi uma das partes mais prazeirosas de meu passeio.

O bar da Dona Josefa já está no meu coração, e as cervejas geladas e os quitutes deliciosos ficaram na minha memória.

Já tenho data marcada para voltar.

Até.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

BARBEARIA DO SEU MANEL

Seu Manel, como é carinhosamente chamado, nunca saiu do interior do estado. Nasceu em uma fazenda na região do Vale do Ciclo do Café, e há 53 anos comanda esta barbearia em Conservatória.

Fui visitá-lo, e ao entrar logo se percebe que é botafoguense fanático. Até o caderno de anotações tem o escudo alvinegro, e seu cachorrinho chama-se Mané. Perguntei-lhe se era a única barbearia da região, e ele respondeu:

- Lá no final da rua tem um salão desses metido a besta. O meu é tradicional.

E é mesmo. Barba só na navalha, aparelhos de barbear do tempo do onça, móvel antigo de jacarandá com a foto da sua falecida esposa, e cadeira de barbeiro de 1890.

Só não entrei pra fazer a barba porque tinha acabado de fazê-la.

Joguei uma conversa fora com ele, e depois tive que sair pois a freguesia começou a chegar.



















Aproveitei para visitar depois o Quilombo Santa Isabel, mas isso é outra história.

Mais uma vez recomendo que visitem esta cidade (veja minha outra visita aqui), é voltar no tempo.

Até.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

UMA ESCOLA TIJUCANA

A Tijuca tem vários colégios, e muito são conhecidos. Temos o Orsina da Fonseca, o Mario Claudio, o centenário Afonso Pena (fez cem anos no último dia 30), o tradicional Colégio Militar, o Colégio Pedro II (onde estudei no ginásio e científico), o Palas, o Baptista, e por aí vai...

Mas o meu sonho mesmo era de ter estudado no gigante Instituto Lafayette, que no final dos anos oitenta virou Fundação Bradesco.

Esta escola foi fundada em 1916 pelo professor La-fayette Cortes, que já começou inovando. Foi o primeiro colégio carioca a preparar os alunos para trabalhos de oficina e laboratório, ou até mesmo para os campos de agrimensura e topografia, química industrial, mecânica, e eletricidade prática. As meninas procuravam os cursos de datilografia e estenografia.

Pouca gente sabe, mas existiam três Institutos Lafayette. O principal era na Haddock Lobo (onde fica a Fundação Bradesco), o segundo na Conde de Bonfim, e o terceiro na Praia de Botafogo nº 348, esquina com Visconde de Ouro Preto.

O imenso Lafaytte da Haddock Lobo tem uma história bacana a ser contada. Aquele espaço todo, aquele palácio imponente (uma espécie de Quinta da Boavista da Tijuca), é do século XIX, e pertencia à um rico negociante da época chamado Jerônimo José de Mesquita (1826-1886), o Barão de Mesquita, que por sua vez era filho de José Francisco de Mesquita (1790 - 1873), o Conde de Bonfim. É isso mesmo. Em 1898 a residência virou um colégio chamado Sul Americano, e depois sim, veio o glorioso Lafayette. Na Haddock Lobo ficavam os rapazes, somente os rapazes.


Foto de 1941 do Instituto Lafayette da Haddock Lobo.


As meninas estudavam no Lafayette da Conde de Bonfim, na antiga sede do Clube Tijuca. Antes do Clube, a casa servia de moradia para o nosso Duque de Caxias. A ala feminina foi abaixo nos anos setenta após um misterioso incêndio, dando o lugar para a Mesbla.


Foto de 1906 do Clube Tijuca, que depois virou a ala feminina do Lafayette.


E o terceiro e último Lafayette, ficava em Botafogo, não é blague. Em 1927 inaugurou-se esta unidade, que era chamada de departamento misto. Ali os meninos e as meninas podiam dividir a sala de aula. Durou até 1944.


Departamento Misto do Lafayette, em Botafogo.

Este era um colégio antológico, histórico, e tijucano. Vive na memória dos moradores até hoje com muito orgulho. Afortunados são os que vestiram aquele uniforme.

Quando passar diante deste monumento, pare, e admire por cinco minutos que seja.

Até.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

TIA GLÓRIA

A tia Glória é a responsável por deixar bem limpinha a rua do Senado e seus arredores. Trabalha duro, ganha pouco, mas não perde a graça. Aos sábados ela começa mais cedo, pois sabe que à tarde sempre tem um furdunço no armazém.

Está aí um lugar onde ela é tratada como uma rainha. Os homens do local se acotovelam para servir a senhora. Eu mesmo faço questão de abrir sua cerveja e depois colocar no copo. Como é boa de papeio a tia Glória, sabe de tudo, e sempre nos conta o que está acontecendo pelas redondezas. E às vezes entra na cozinha e faz uma panelada de língua pra rapaziada.

Semana passada fiquei sabendo pelo Mendonça que ela vai se aposentar. Todos andam tristes, inclusive ela. Quero aqui, hoje, no dia de seu aniversário, 4 de dezembro, dizer para esta senhora que ela é muito importante em nosso Armazém, e nas ruas do centro. Mas apesar disso tudo acho que é preciso descansar, beber sua cerveja um pouco mais tranquila.

E pelo que conheço dela, acho difícil que fique parada. Alguma coisa já deve estar matutando para fazer.


Mendonça, eu, e tia Glória.


Obrigado pelo carinho com nossas ruas, e com as pessoas simples que a vida colocou em seu caminho.

Beijo grande.

sábado, 15 de novembro de 2008

PAREI NA PRAÇA XI

Neste sábado ensolarado de praias poluídas, resolvi andar. Saí de casa em direção ao centro. Entrei pela vazia rua do Matoso, e percebi que o único que não respeitou o feriado foi o seu Zé da quitanda. Fui caminhando devagar, às vezes parando, e prestando atenção nas construções mais antigas, nas ruas mudas do bairro. Chegando no largo do Estácio, aos pés do morro São Carlos, o agito era um pouco maior. Algumas crianças na rua, um homem na esquina fazendo churrasquinho, e outra meia dúzia de pessoas preparando um sambinha. O sol parecia incomodar-me um pouco mais naquele momento, talvez por causa da falta de sombra.

Resolvi continuar a andança, e tive então que decidir entre a rua Frei Caneca e a Avenida Salvador de Sá. Decidi pela segunda porque tem mais árvores. Saí então do bairro do Estácio e entrei na Praça XI, um bairro outrora menos escarrado pelas autoridades. Caminhei bem devagar, olhei dois senhores conversando, um de dentro de casa, na janela, e outro na calçada, com uma boina cinza. Olhei um mendigo dormindo no chão, um molequinho andando de bicicleta, e uma mulata cadeiruda no ponto de ônibus. Imediatamente me recordei da antiga Vila Mimosa. Parei um pouco, esperei a cadeiruda pegar o coletivo, e comecei a apreciar a beleza do local. Há quem não veja beleza ali, ou até mesmo quem ache o lugar o mais feio da cidade. Aquela antiga Vila Operária caindo aos pedaços, implorando por dias melhores, realmente me deu dó. Mas os moradores estavam todos com um esgar feliz, com sorrisos na cara, talvez seja o amor pelo bairro. Tive sede. Voltei a andar, desta vez procurando um botequim. Entrei numa ruazinha chamada Laura de Araújo, repleta de casas centenárias, e achei um bar. Gargalhadas medievais vinham do fundo, jogavam sinuca. Entrei e pedi uma cerveja. Fui sedento nos primeiros goles, e a temperatura geladíssima da bebida quase quebrou-me os dentes. Não tinha pressa, e resolvi sentar no degrau de entrada, para ficar olhando a rua. As casas antigas chamaram-me atenção, e os sobrados quase me hipnotizaram.

Nossa arquitetura histórica está aí, sofrendo, resistindo, solitária, suplicando, torcendo para que não venha o moço da britadeira e comece a arrebentar tudo. Está precisando de carinho, de gente que lhe dê o devido valor.

Decidi não seguir em frente, fiquei por ali. Acabei a cerveja, visitei outras pequenas ruas, e encarei várias outras casas do século retrasado. Sei que se pudessem falar pediriam algum tipo de ajuda.

Cheguei em casa há pouco, pensativo. Temos um belo casario pela cidade, poucas são as construções que tiveram a dignidade de receber uma reforma. Por que fingir que isso não é nosso? Várias perguntas estão na minha cabeça, mas não deixarei que a raiva e a tristeza tomem conta de mim.

Tenho certeza que são fortes, e ainda acolherão muitas gerações de famílias risonhas.

Salve a Praça XI.

Até.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

COMBATE NA MADRUGADA TIJUCANA

Quando saía do Columbinha - me apaixono cada vez mais por este bar - hoje à uma da matina, depois de algumas ampolas abatidas com a ajuda de amigos e camaradas, tive o prazer de ver uma cena inusitada.

Dois caboclos, um magro, com cara de que tinha virado quatro noites seguidas, e outro gordinho, de óculos, camisa do Real Madrid, e que carregava uma caixa debaixo do braço, sentaram-se no fundo do bar, à beira do balcão, pediram um litro de skol, abriram um tabuleiro de xadrez, e começaram a jogar. Resolvemos ficar um pouquinho mais para olhar a disputa de longe. Uma hora depois, com uma chuvarada nunca vista do lado de fora, eles foram embora. Pedimos a saideira e fomos também.










Este belo combate, realizado nesta madrugada, em um botequim tijucano, terminou dois a zero pro gordinho.

Até.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

BAR RAINHA DE SANTANA

É com certa frequência que vou ao Bar Rainha de Santana, mais conhecido como Bar do Marimbondo por causa da cachaça que leva este nome e é muito consumida no local. Esta birosca fica ao lado do meu trabalho, por isso a facilidade de minha presença. É o único bar que conheço que tem como carro chefe uma cerveja preta, a Black Princess, e que é o motivo de minhas idas quase diárias.

Quando chego dou "boa noite" para todos, mas com uma pitada a mais de carinho para a dupla da mesa da pilastra. Dizem que gostam mesmo é do balcão, mas suas pernas não concordam muito com a idéia. Amilcar e Dirceu são amigos há setenta anos, eu disse SETENTA, e bebem juntos há mais de meio século. Nasceram em casas vizinhas na rua do Riachuelo, brincaram na mesma calçada, e estão aí até hoje. Acho que posso dizer que são irmãos.

Neste pé-sujo o que há é boa gente. Bebe-se no balcão, nas mesas, ou na calçada. E o Severino toca o botequim com muito gosto, provocando o paladar da clientela com jóias de sua apurada culinária. Os restaurantes de comida à quilo que fazem a concorrência não preocupam este cearence arretado. São vários os acepipes, e os tabuleiros de batata calabresa da casa saem três vezes por dia da cozinha por causa da grande procura.

Seu Amilcar e seu Dirceu degustam as iguarias diariamente enquanto relembram os momentos do passado, e vivem assim um belo cotidiano de amizade regado a cerveja e botequim. Que esta amizade dure por muito anos, deixando assim o bar do Severino com um pouco mais de nobreza. A amizade desta dupla de senhores só podia ser alimentada num boteco, que coisa bonita.



Seu Amilcar e seu Dirceu.















Até.

domingo, 19 de outubro de 2008

TIRO O CHAPÉU

Em 1880, quando Thomas Edison acabara inventar a lâmpada, o avô do Seu Almir abria as portas da Chapelaria Porto. A mais antiga chapelaria do Rio de Janeiro, e talvez do Brasil, fica no bairro da Saúde. As antigas escadas de madeira do casarão nos levam ao sobrado, e a cada degrau vencido temos a impressão de que estamos entrando numa espécie de túnel do tempo. Neste sobrado secular trabalha este homem que já perdeu há muito tempo a luta contra os cabelos brancos. É o incansável Seu Almir, neto do falecido seu Honório, que fundou esta jóia há 128 anos.

Ele conta que seu pai foi chapeleiro de quase toda a boemia carioca nos anos 30 e 40, e também já vez muita cartola pra gente importante usar nas festas da Confeitaria Colombo.

Além de vender chapéus, ele os fabrica, e de forma artesanal. Coisa rara neste nosso mundo de andróides. A especialidade são os Panamá, mas encontramos de vários modelos.

O orgulho de comandar tal negócio é facilmente percebido no olhar e no entusiasmo deste velho homem ao falar de suas mercadorias. Gosta de explicar tudo, mostrar todos os detalhes. Basta uma rápida passada de olhos na cabeça do cliente que ele afirma:

- Chapéu pra você tem que ser número 58, pode experimentar.

Não dá outra.

E se mesmo assim o cliente achar que está um pouco apertado não há problemas, é só colocar o chapéu no "moderno" alargador manual do século XIX, herança do vovô Honório. Seu Almir herdou ainda, a máquina de costurar Singer com seu devido móvel - que está em pleno funcionamento -, e os moldes de madeira para fazer os chapéus, que estão com mais de cem anos também.



O orgulhoso Seu Almir.



Um dos moldes de madeira.



O alargador de chapéus.



A máquina Singer.



O detalhe do móvel Singer.















O cartão da casa foi desenhado pelo Seu Honório no tempo do onça.


E ele vai tocando a vida assim, num bairro na Zona Portuária, teimando, resistindo, debochando da modernidade com produtos de alta qualidade feitos por suas mãos, e com a ajudinha de suas ferramentas praticamente extintas no mundo.

É realmente muito bonito e emocionante visitar este local.

Vale lembrar também que o filho do seu Almir divide a labuta com ele na intenção de perpetuar esta maravilha.

Nos resta apenas desejar longa vida à Chapelaria Porto!

Até.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

MÚSICA DE BAR 2

No fim do mês passado lhes mostrei aqui um vídeo do seu Waldir. Pois é, na mesma noite, após a apresentação do seu Waldir, entrou em cena o seu Jorge. Os dois cantam sempre às terças e quintas em um bar no Centro, o qual não falarei o nome. Nesta semana estarei prestigiando estes dois homens novamente.

Seu Jorge está com 72 anos, tem um gogó de ouro, e canta Nelson Gonçalves, Orlando Silva, e alguns boleros. Seu repertório é isso. Todos os moribundos que populam o lugar esperam ansiosos pela entrada triunfal do seu Jorge, que antes de soltar a voz agradece no microfone:

- Muito obrigado, sem vocês não seria possível esta apresentação.

Logo depois dá uma piscadinha para o Ribamar, que comanda a guitarra, e a canção se inicia.

Seu Jorge mora no local onde trabalha, na rua da Alfândega. É funcionário de uma dessas lojas de tecidos comandada por um turco qualquer. Diz que ama viver ali, e não troca o "SAARA" por uma casa no sul da França.

É mais um homem brasileiro que faz história para poucos com extrema intensidade, no seu cantinho, com seu povo, vivendo feliz.





Sou um sortudo por poder acompanhá-lo.

Até.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

MÚSICA DE BAR

Seu Waldir está com 76 anos, é asmático, bebe, fuma pacas, e canta. Mora em um sobrado na rua Gomes Freire, no Centro, com a mãe de 97 anos. Todas as terças e quintas faz a alegria do povo soltando sua voz pelos botequins, e não cobra nada para cantar. O seu repertório melancólico não intimida o pessoal, que ainda pede "bis" após cada canção. Sou fã do Waldir, vou prestigiá-lo quase sempre, e bato palmas para ele.



Até.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O REI DAS CHINELAS

Foi em 1973 que o seu Figueiredo abriu sua simpática loja na Praça Afonso Pena, Tijuca. "FIGUEIREDO, O REI DAS CHINELAS" é o nome pomposo da lojinha. Este português de Guimarães é um mistério. Quando cheguei em seu estabelecimento para fazer as fotos, disse que não poderia fazê-las da porta para dentro, e muito menos queria ser fotografado. Perguntei-lhe o motivo e disse-me que seus espíritos não achariam bom. Achei curioso, não sei se foi um modo de me enrolar, mas respeito acima de tudo. Arrematou dizendo que se a sua foto fosse divulgada por aí, ninguém mais iria querer aparecer na loja. Deve se achar feioso, o sujeito.

Este senhor além de vender as antigas chinelas, chinelos, e sapatilhas, faz o conserto das mesmas. Todos aqueles apetrechos antigos de um bom sapateiro estão à mostra no local ao lado de algumas imagens de santos. Consegui apenas fotografar o letreiro e uma das vitrines, que para a minha alegria tinha um adesivo do meu América com o dizer: "UMA QUESTÃO DE AMOR".









Descolei poucas informações de seu Figueiredo, uma delas é que ele vive na Tijuca, na rua Mariz e Barros.

A Praça Afonso Pena é um ponto magnífico, e perguntei-lhe se venderia algum dia, ou se alguém já lhe havia feito propostas:

- Não saio daqui, não existe loja igual a minha. Além do mais não preciso de dinheiro, gosto mais destes sapatos.

Foi curto e grosso.

O que vale é que o lugar é interessantíssimo, tijucano, e já que não consegui mostrar seu interior, e a cara do dono, vale uma visita.

Até.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O NOME DELE É NUNES!

Muitos indivíduos nos dias de hoje se dizem entendidos sobre botequim, dão "conselhos", pitacos, fazem listinhas dos "dez mais", e o escambau. Seria muito bacana isso tudo, pena que a maioria desses entendidos soam a galhofa. É uma tristeza só, não sei se é para rir ou para chorar.

O que eu sei é que gosto de bares, das pessoas que habitam biroscas, dos sentimentos concebidos ali... Porém, tudo sem "lista" e sem o caralhoaquatro.

É por isso que todos os domingos, eu disse todos, às 9 da manhã, compareço ao bar Urca.

Você deve estar exclamando:

- O Felipinho vai para beber cerveja!

É verdade, claro que é para beber cerveja, mas o protagonista das minhas manhãs de domingo não é ela, é o NUNES! Não é o Nunes ex-atacante do Flamengo não, é o NUNES do Bar Urca.

O NUNES é uma dessas pessoas que habitam os botecos, por isso conto os segundos para que o meu domingo chegue. Logo de manhã ele serve para a rapaziada as Brahmas mais geladas, as mais bem criadas, com todo carinho, justamente por que sabe que nossa turma aparece naquela hora por elas.

O cearense NUNES começou no batente por aqui em 1971 no abolido Café e Bar Esplendor, em Ipanema. Este bar pertencia ao atual dono do Bar Urca, o seu Gomes. Em 17 de outubro de 1973, NUNES migrou para a Urca com o seu patrão, e ambos estão lá até hoje.

A descontração de nossa roda dominical de amigos de balcão é somada com a alegria do NUNES:

- Senhores do Conselho, vejo que vossa Brahma está findada! Falarei para a foca que vive na geladeira providenciar outra!

Assim urra de dentro do balcão o nosso NUNES, anunciando a chegada de mais uma mofada para nós.

Grande figura, grande sabedor de bar, grande personagem da boemia carioca.

E que os tolos entendidos fiquem longe dele!








Até.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ESPANHOL

Como alguns sabem, perdi meu pai quando tinha dezoito anos. O coroa morreu cedo, e não aproveitei muito a vida ao seu lado. Gostaria muito de poder dividir o balcão de um bar com ele. Deve ser muito bom beber umas cervejas ao lado de um pai, escutando seus conselhos, compartilhando histórias. Qualquer dia escrevo um pouco sobre o velho Manolo.

Enquanto crescia, dava um jeito de conseguir alguém que suprisse essa falta patriarcal, e não tive dificuldades, pois esta pessoa sempre esteve ao meu lado. Meu tio Celestino, irmão de meu pai, e mais conhecido como espanhol, é como um pai pra mim. É amigo, companheiro, dá e recebe conselhos, bebe comigo... Enfim, é um pai mesmo.

Meu tio veio para o Brasil em 1958, a miséria do pós guerra na Espanha durou anos. Hoje diz que é mais brasileiro que espanhol, e ama demais o país que o acolheu. Trabalhou a vida inteira no ramo de restaurante e bares, mais precisamente no extinto El Faro, em Copacabana. Falar do El Faro é outro capítulo. Ele ficava na Av. Atlântica ao lado da galeria Alaska, um dos redutos da sacanagem carioca. Presenciou muita coisa, uma delas foi a morte do Almir Pernambuquinho, que foi esfaqueado na frente dele. Depois de mais de quarenta anos atrás do balcão, meu tio resolveu "pendurar as chuteiras".

Quando saímos juntos, gostamos de ir nos bares onde estão seus amigos. Vamos muito ao Bar Brasil, que chamamos de Alemão, por causa do seu Pepe. Seu Pepe é amigão dele, e está há cinquenta anos no Bar Brasil. Semana passada estávamos por lá e pedimos chopp - na minha opinião o melhor do Rio - e para acompanhar, picles, pepinos em conserva, e paté com pão preto. Duas meninas e dois rapazes com ares de frescos entraram na casa e sentaram-se ao nosso lado. Pediram o cardápio, olharam para nossa comida, e chamaram o garçom:

- Garçom, tem hamburguer?

O bigode olhou pra nós, querendo rir, e respondeu na lata:

- Temos porco! Joelho, pé, orelha, linguiça de tripa...

A cara dos quatro forasteiros foi de pavor, se mandaram, e acho que nunca voltarão.

No Rio-Brasilia - nobre botequim da Tijuca - batemos o ponto quase todos os dias, somos da casa desde 1984.

Colecionando estes momentos nos bares que levo a vida com meu tio Celestino. Ficamos felizes e tristes juntos, na mesma mesa. Posso afirmar que sou um homem com pai, e que pai!





Só para finalizar:

Há vinte e um anos ele não vai à sua terra. Temos muita família por lá, e ele morre de saudades. Diz que só volta se for comigo, para bebermos em suas tabernas de infância. Ano que vem eu vou pra lá, e o que ele não sabe é que vou levá-lo também. Quando menos esperar estarei com os bilhetes na mão. Fico tranquilo em tornar isso público, pois meu amado tio não tem nem puta idéia de como se entra num computador.

Até.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

BAR SANTO ANTÔNIO

Caros, acabo de voltar do bar mais imundo e ao mesmo tempo mais bonito que já pisei. Chego em casa com a alma lavada.

O trabalho, que implica com meus nervos, fez com que eu tomasse rumo ao mais obscuro buraco etílico das redondezas.

O bar Santo Antônio fica na rua dos Inválidos, perto do Instituto Médico Legal e da igreja de santo Antônio, centro do Rio. Muitas pessoas, que acabam de perder seus parentes e amigos, saem do IML para afogar as mágoas ali.

Andava pensando no futuro incerto pelas ruas da cidade, quando dei de cara com este boteco, e nele estava meu camarada Ribamar. Ribamar é parceiro meu desde os primórdios de Armazém Senado. Ele toca violão, e estava se apresentando para os ébrios do local. Levava de Roberto Carlos à Nelson Gonçalves, praticamente uma fábrica de fazer chorar. Entrei no bar, puxei uma Brahma, e acompanhei aquele momento maravilhoso e único. Gente solitária e acompanhada habitava o local, cada uma do seu jeito.

Iniciei uma prosa com seu "Tasáfo" (apelido do caboclo), reformado da marinha, e com o seu Soares, morador do centro.

Seu Tasáfo é um baiano gente finíssima, e me admirou por ser novato e já gostar de acompanhar o cotidiano do povo. Disse-me o seguinte recado:

- Enquanto as pessoas compram no shopping agora, nós levamos nossa vida por aqui.

Matou a pau.

Seu Soares estava triste pra danado debruçado no balcão, não sei o que pensava, mas logo alegrou-se quando falamos de futebol. Ficou feliz por que sou América igual a ele, e a conversa rendeu bem.

Quando menos percebi estávamos todos no pé-sujo conversando juntos sobre o mesmo assunto, um tentando ajudar o outro, e com a trilha sonora sofrida do Ribamar.

Cerveja geladíssima, ovo cozido, e carne assada. Não é preciso de mais nada, é o que há no local.

E quando me despedia...

- Pelamordedeus, fica!

Foi o que disseram aqueles sinceros homens quando deixava o local, como se eu fosse um amigo querido de todos os dias.

Todas as regras de bar foram feitas, inclusive a saideira da saideira. Choramos e gargalhamos juntos. Como disse no início, saí de alma lavada em mais um dia de afeto com o povo. Agradeço simplesmente por fazer parte dele, e sou completamente feliz por isso.

Para acabar, falta dizer que o dono do botequim, o seu Davi, é América, e acredita na volta por cima.

Ganhei o dia!















Ébrio solitário.







Seu Tasáfo



Seu Soares e sua tristeza.


Até.