domingo, 19 de outubro de 2008

TIRO O CHAPÉU

Em 1880, quando Thomas Edison acabara inventar a lâmpada, o avô do Seu Almir abria as portas da Chapelaria Porto. A mais antiga chapelaria do Rio de Janeiro, e talvez do Brasil, fica no bairro da Saúde. As antigas escadas de madeira do casarão nos levam ao sobrado, e a cada degrau vencido temos a impressão de que estamos entrando numa espécie de túnel do tempo. Neste sobrado secular trabalha este homem que já perdeu há muito tempo a luta contra os cabelos brancos. É o incansável Seu Almir, neto do falecido seu Honório, que fundou esta jóia há 128 anos.

Ele conta que seu pai foi chapeleiro de quase toda a boemia carioca nos anos 30 e 40, e também já vez muita cartola pra gente importante usar nas festas da Confeitaria Colombo.

Além de vender chapéus, ele os fabrica, e de forma artesanal. Coisa rara neste nosso mundo de andróides. A especialidade são os Panamá, mas encontramos de vários modelos.

O orgulho de comandar tal negócio é facilmente percebido no olhar e no entusiasmo deste velho homem ao falar de suas mercadorias. Gosta de explicar tudo, mostrar todos os detalhes. Basta uma rápida passada de olhos na cabeça do cliente que ele afirma:

- Chapéu pra você tem que ser número 58, pode experimentar.

Não dá outra.

E se mesmo assim o cliente achar que está um pouco apertado não há problemas, é só colocar o chapéu no "moderno" alargador manual do século XIX, herança do vovô Honório. Seu Almir herdou ainda, a máquina de costurar Singer com seu devido móvel - que está em pleno funcionamento -, e os moldes de madeira para fazer os chapéus, que estão com mais de cem anos também.



O orgulhoso Seu Almir.



Um dos moldes de madeira.



O alargador de chapéus.



A máquina Singer.



O detalhe do móvel Singer.















O cartão da casa foi desenhado pelo Seu Honório no tempo do onça.


E ele vai tocando a vida assim, num bairro na Zona Portuária, teimando, resistindo, debochando da modernidade com produtos de alta qualidade feitos por suas mãos, e com a ajudinha de suas ferramentas praticamente extintas no mundo.

É realmente muito bonito e emocionante visitar este local.

Vale lembrar também que o filho do seu Almir divide a labuta com ele na intenção de perpetuar esta maravilha.

Nos resta apenas desejar longa vida à Chapelaria Porto!

Até.

8 comentários:

Eduardo Goldenberg disse...

Você é o maior, Cereal.

Do cacete termos nos encontrado - eu de carro, você de bicicleta - no sábado, você voltando de lá.

Esperei para ler isso.

Demais.

Um beijo, querido. Tenho orgulho de ter você entre os meus.

fraga disse...

Felipinho,

Um dia glorioso,inaugurado com algumas mofadas na companhia de Rodrigo Paulo e Carlinhos Old Times, seguido de belo périplo ciclístico pelos arredores da Mauá, estágio com o monumental Almir na antológica chapelaria, e culminado com o maiúsculo Seu Antonio, entre salaminhos e ampolas, no Armazém Senado.

Guardarei aquele singelo boné como lembrança maior de um dia feliz, melhor por eu ter tido a sua companhia.

Saravá!

Bruno Ribeiro disse...

Lindo registro, fundamental esta grande reportagem - sim, trata-se de uma reportagem, em negrito!

Um dia, se conseguires vir a Campinas, vou te levar para conhecer a fábrica de chapéus Cury, que fica a poucas quadras de minha casa.

Ela é tão antiga quanto a Chapelaria Porto e pra que você tenha uma idéia, até hoje é abastecida por uma caldeira! O maquinário é alemão e parece estar funcionando desde a Revolução Industrial.

Apesar de, aparentemente, ter "parado no tempo", a fábrica continua produzindo e exportando chapéus para várias partes do mundo. É da marca Cury, feito em Campinas, o chapéu de Indiana Jones, usado pelo ator Harrison Ford, em todos os filmes da série.

Beijo, mano, parabéns pelo texto!

Diego Moreira disse...

Teu texto, além de tudo, prestou-me um serviço. Faz tempo que eu estou querendo comprar um palha dobrada mas procurava por referências. Sem mais nenhuma dúvida, já sei onde encontrar o meu chapéu.

Parabéns pelo texto e pelo achado!
Abração, malandro!

Felipinho disse...

Foi um belo dia, Fraguinha. Conheço esta chapelaria há uns dois anos, mas nunca havia levado máquina. Fico feliz que você gostou. Guardarei com carinho a boina que ganhei de ti nesta tarde. beijo.

Edu, Bruno, e Diego, é isso, mais uma maravilha. Estou muito feliz porque vocês acharam bacana.

Monica Araujo disse...

Boa noite Felipe,

Realmente é muito bonito de ver e sentir esta ligação com a história da nossa cidade, lendo sobre o inferno que se tornou a lapa , dias deste comentava sobre o mal cheiro no local , mesmo assim as vezes conseguimos achar um Oasis nesta confusão.

Aquela máquina Singer , tem um pedal de ferro , que se repousa os dois pés para costurar não é ? Acho que é parecida com uma que minha mãe teve. Lembrou-me as TVs da época que eram um móvel também.

Se você quiser dar uma esticada para os lados da Marechal Floriano , temos o Paladino que ainda é freqüentado na maior parte por boêmios e é de 1907, tem muita história legal ligada aos alunos do Pedro II e preserva as ferragens típicas da época em sua fachada, os “comes” são maravilhosos e eu particularmente adoro armazém e bar junto. Tem a Impecável Maré Mansa e logo ali na Alexandre Makenzie tem um barbeiro centenário que o atual dono tem uns oitenta e poucos e ainda corta cabelo.

Parabéns pelo texto e as fotos também.

Um abraço.

Szegeri disse...

Faço minhas as palavras do Diego Moreira. Já manjei uns dois modelitos que, sob medida, cairão perfeitamente com o pisante bicolor que mandei fazer no seu Aníbal, aqui da Rua Clélia. Aqui em Sampa temos apenas a tradicional Chapelaria Paulista, na Rua Quintino Bocaiúva, que resiste bravamente, mas só tem modelos industrializados da boa marca "Pralana".
Grande Felipinho, verdareiro arqueólogo das relíquias cariocas, muito mais que o bobão citado aí em cima pelo meu irmãozinho Bruno, que sequer desconfia da glória de empunhar um autêntico Cury.

Monica Araujo disse...

Por falar em pisante bicolor, ali em Botafogo também existe uma loja de calçados por encomenda , na Mena Barreto com mais de 4 décadas eu acho... Os sambistas em particular as mulatas confeccionam aquelas plataformas enormes , os malandros e mestres salas os sapatos.

Abçs