sexta-feira, 2 de março de 2007

UISQUERIA BICO DOCE

O BICO DOCE é um lugar onde me encontro, às vezes queria viver ali para sempre. Beco das Cancelas, localizado entre as ruas Buenos Aires e Rosário, o endereço da boemia. Como costuma dizer o Adolfo: “último reduto intelectual do centro do Rio”. Adolfo estava hoje lá também, aliás, ele sempre está no Bico Doce. Grande percussionista das antigas, já tocou com Milton Banana e conheceu o Ed Lincoln na época do beco das garrafas. Em vez de ir pra casa depois de mais uma semana de trabalho, meu corpo ignorou seu cansaço e me levou para a Uisqueria Bico Doce. Ele estava certo. Ao entrar, logo à esquerda um quadro com uma nota do Jaguar sobre o local, fala sobre nostalgia, sentimento nobre que já me emocionou muitas vezes.






Diz o Jaguar:

“NOSTALGIA. Faz 45 anos que eu pelo menos uma vez por semana, ia ao Bico Doce tomar uns chopinhos com sanduíche de patê. O Bico Doce, no Beco das Cancelas, entre as ruas do Rosário e Buenos Aires, era o último pub do Rio. O dono, seu Camello, era o tipo ideal de avô da gente. Rosado, careca, miúdo, com um bigode branco e gravata borboleta preta. Seis mesinhas redondas de mármore, cadeiras de palhinha, na parede anúncio da Brahma com mais de 50 anos (um grande gordo enchendo a cara de cerveja). Quando eu trabalhava no Banco do Brasil ia sempre lá. A freqüência era de velhos negociantes e corretores da bolsa, os bêbados menos barulhentos da cidade. Seu Camello dava duro atrás daquele balcão há 65 anos, sabem lá o que é isso? Ruy Barbosa de vez e em quando tomava uma cervejinha lá (bebia mal, era muito fraco para a bebida), o Barão do Rio Branco às vezes também aparecia. Há anos eu programava uma entrevista com seu Camello. Na semana passada peguei o gravador e me mandei pro Bico Doce ouvir as histórias dele. A tabuleta da porta já não estava mais lá, nem as mesinhas de mármore, nem os velhinhos, nem nada. Só montes de caliça, tijolos e areia. Seu Camello morreu, o Bico Doce foi varrido do mapa e na certa vão fazer no lugar um bar cheio de fórmica. Assim é a vida. Uma bosta.” (Jaguar)




Os amigos de sempre estão sentados com suas respectivas garrafas na mesa. Saúdam-me com estardalhaço, e puxam minha cadeira para que eu possa sentar. Em poucos segundos o Cláudio traz minha garrafa de black label e um copo largo lotado de gelo. A geladeira da casa também é de madeira, daquelas antigas...
Quase todos da confraria estão lá, Adolfo, Tião, João, Maurício, Assis, Sosó, Cabral... Só faltava o Fernando que não pôde comparecer.

A conversa estava instalada em cima de uma curiosidade. Rogério falava que seu pai, um sambista das antigas chamado Toni Duran, tirara uma foto quando era novo com uma vedete famosa. O foda foi que ele não lembrava o nome da mulher. A única pista que surgiu foi que ela tinha feito um filme com o Oscarito chamado Pintando o Sete. Aliás, o Adolfo falava a toda hora que ela era muito gostosa e quando era novo ia muito pro banheiro pensando nela. Já sabem pra que...

O bar inteiro fritando os miolos pra descobrir, celular pra lá e pra cá e nada. Liguei pro Mauro, pra minha mãe, e até pra minha vó. Enquanto isso a galera foi chutando: Virginia Lane, Luz del Fuego, Íris Bruzzi, Renata Fronzi... Isso durou uma meia hora até que o Rogério resolveu ligar para Espanha e perguntar pro pai dele. Putz! No final das contas era a Sonia Mamede. Alívio e êxtase geral. Então, o Tião indagou:

- Essa mesmo!!! Maravilhosa! Tem certeza que a foto do seu pai é com ela mesma? Não tá inventando não?




Depois de concluído o assunto, me senti no dever de colocar um som para a “rapaziada”, um de meus cds que trouxe na mochila para esta ocasião. Entrei pelo balcão adentro, liguei o som e coloquei Nelson Gonçalves pra o delírio do Cabral, que canta todas. Tião puxou o cigarro colocou a mão na cabeça e começou a pensar. Logo depois, o João me veio com uma pergunta:

- Quer matar o Tião cara? A mulher o largou há dois meses, assim ele vai chorar...

E faltou pouco.

Mas o Tião pediu pra deixar o cd, disse que está iludido com as mulheres e que a realidade de um casamento não é simples assim... Após ele expor este pensamento eu rapidamente me levantei para ler o provérbio que está pendurado no quadro acima da porta de entrada. Depois disso entendi porque ele sempre está por ali.





Antes de ir embora o Adolfo e o Cabral pediram para que eu não faltasse na próxima sexta para brindarmos o meu aniversário. Como não gosto de fazer desfeita, estarei lá.
Saí dali com o sentimento de que realmente sou querido no Bico Doce, mesmo com a diferença de idade entre eu e meus adoráveis companheiros.



Tião e Cabral


Semana que vem o Fernando vai também, vou levar os instrumentos e faremos um som, outros poesia e viveremos mais um dia bonito de nostalgia.

Até lá.

5 comentários:

Rogério disse...

Grande Felipe, muito bom este capítulo sobre o nosso querido Bico Doce. Você retratou muito bem o clima de amizade do pessoal.
Abraço

Rodrigo disse...

Aí cara, cuidado com o Tião que chora mesmo. Vê se pega leve...
Abraço.

Osvaldo Leandro disse...

Frequentava muito o Bico Doce nos anos 84/86, Sr. Antonio Carlos Dias Correa morador da rua Aires Saldanha, dono do Pub sempre prestativo me contava as historias dos frequentadores do local tal qual o Barão de Rio Branco sempre aparecia la para tomar seu cafezinho e se deliciar dos pates, a boemia em peso ia pra la, o Tião um garçom exepcional fazia o ambiente ser o mais agradavel do Rio da Janeiro espero que todos estejam bem.

Unknown disse...

Lugar nostálgico, boas companhias, boa bebida e ótimos papos. Casa muito maior que Adolfos, Fernandos e este Marcelo que aqui escreve. Mas, ainda me encontro com o Cabral , ou para aqueles que não sabem - o que não me surpreende - o Edmilson, pois esse é seu nome. Onde nos encontramos? Lá pelas redondezas. Quem está por lá sabe. Mas, como só se frequenta e se fala "nas altas",
não vou dar a "palha". Afinal,"assim é a vida, uma bosta".

Unknown disse...

Lugar nostálgico, boas companhias, boa bebida e ótimos papos. Casa muito maior que Adolfos, Fernandos e este Marcelo que aqui escreve. Mas, ainda me encontro com o Cabral , ou para aqueles que não sabem - o que não me surpreende - o Edmilson, pois esse é seu nome. Onde nos encontramos? Lá pelas redondezas. Quem está por lá sabe. Mas, como só se frequenta e se fala "nas altas",
não vou dar a "palha". Afinal,"assim é a vida, uma bosta".