Como alguns sabem, perdi meu pai quando tinha dezoito anos. O coroa morreu cedo, e não aproveitei muito a vida ao seu lado. Gostaria muito de poder dividir o balcão de um bar com ele. Deve ser muito bom beber umas cervejas ao lado de um pai, escutando seus conselhos, compartilhando histórias. Qualquer dia escrevo um pouco sobre o velho Manolo.
Enquanto crescia, dava um jeito de conseguir alguém que suprisse essa falta patriarcal, e não tive dificuldades, pois esta pessoa sempre esteve ao meu lado. Meu tio Celestino, irmão de meu pai, e mais conhecido como espanhol, é como um pai pra mim. É amigo, companheiro, dá e recebe conselhos, bebe comigo... Enfim, é um pai mesmo.
Meu tio veio para o Brasil em 1958, a miséria do pós guerra na Espanha durou anos. Hoje diz que é mais brasileiro que espanhol, e ama demais o país que o acolheu. Trabalhou a vida inteira no ramo de restaurante e bares, mais precisamente no extinto El Faro, em Copacabana. Falar do El Faro é outro capítulo. Ele ficava na Av. Atlântica ao lado da galeria Alaska, um dos redutos da sacanagem carioca. Presenciou muita coisa, uma delas foi a morte do Almir Pernambuquinho, que foi esfaqueado na frente dele. Depois de mais de quarenta anos atrás do balcão, meu tio resolveu "pendurar as chuteiras".
Quando saímos juntos, gostamos de ir nos bares onde estão seus amigos. Vamos muito ao Bar Brasil, que chamamos de Alemão, por causa do seu Pepe. Seu Pepe é amigão dele, e está há cinquenta anos no Bar Brasil. Semana passada estávamos por lá e pedimos chopp - na minha opinião o melhor do Rio - e para acompanhar, picles, pepinos em conserva, e paté com pão preto. Duas meninas e dois rapazes com ares de frescos entraram na casa e sentaram-se ao nosso lado. Pediram o cardápio, olharam para nossa comida, e chamaram o garçom:
- Garçom, tem hamburguer?
O bigode olhou pra nós, querendo rir, e respondeu na lata:
- Temos porco! Joelho, pé, orelha, linguiça de tripa...
A cara dos quatro forasteiros foi de pavor, se mandaram, e acho que nunca voltarão.
No Rio-Brasilia - nobre botequim da Tijuca - batemos o ponto quase todos os dias, somos da casa desde 1984.
Colecionando estes momentos nos bares que levo a vida com meu tio Celestino. Ficamos felizes e tristes juntos, na mesma mesa. Posso afirmar que sou um homem com pai, e que pai!
Só para finalizar:
Há vinte e um anos ele não vai à sua terra. Temos muita família por lá, e ele morre de saudades. Diz que só volta se for comigo, para bebermos em suas tabernas de infância. Ano que vem eu vou pra lá, e o que ele não sabe é que vou levá-lo também. Quando menos esperar estarei com os bilhetes na mão. Fico tranquilo em tornar isso público, pois meu amado tio não tem nem puta idéia de como se entra num computador.
Até.