quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

PAPAI NOEL LUSITANO NA RUA DO MATOSO

Dia 24 de dezembro de 2012. Véspera de natal e ao mesmo tempo um dia como outro qualquer para os frequentadores dos bares da região. Começo de tarde, eu e mais dois amigos, Léo e Edu, convidamos o Albanês, marido de minha mãe, para mais uma resenha cotidiana no baixo Matoso, já pelas bandas da Praça da Bandeira. Tínhamos fome e por isso o bar escolhido foi o Galeto Rex, que na minha opinião é o melhor. Somos locais no pedaço, portanto logo nos arrumaram mesa e cadeiras, e sem que pedíssemos veio a cerveja. O papo estava legal, ritmo de fim de ano e época em que as preocupações são jogadas para debaixo do tapete. Comemos com vontade a farta comida, o que nos fez calar a boca por alguns instantes. Recolhidos os pratos, as atenções se voltaram novamente apenas para a cerveja, que agora tinha como coadjuvante a generosa dose de Underberg servida no local (nacional, diga-se de passagem). Estávamos bem acomodados, veio até aquela preguiça boa pós almoço. Muito agradável.

Nossa tranquilidade foi interrompida no momento em que um dos cidadãos que estava na calçada do bar ao lado começou a gritar:

- Olha o Papai Noel!!!! É o Papai Noel!!!

Eis que entra na rua do Matoso um Escort azul todo remendado, com alto-falante externo que tocava no último volume os hinos dos clubes cariocas. Estavam coladas no alto-falante, bandeirinhas do Brasil, uma foto de um leão e outra de dois tucanos (?!). Quem dirigia o possante? Era mesmo o Papai-Noel, que estava com sua roupa completa e óculos escuros. O bom velhinho estacionou o "trenó" diante do bar Matosinho (farei em breve a resenha deste bar espetacular) para delírio dos fregueses e mendigos locais. Ao sair de seu veículo, cumprimentou alguns populares e caminhou em direção ao Rex, onde estávamos, seguido pela comitiva de curiosos. Sentou-se no banquinho, pôs o cotovelo direito no balcão e usou a mão esquerda para educadamente chamar o garçom e pedir:

- Uma Brahma gelada e uma galinha, por favor.

Neste momento tivemos a certeza que tratava-se de um Papai-Noel diferente, não por estar comendo galinha e bebendo Brahma, mas por não ser originário do Pólo Norte. Ele falava português, mas com sotaque lusitano!

Albanês correu para brindar com o Papai Noel.


Ficamos curiosos e deixamos ele comer em paz para depois fazermos a aproximação. Eis que, quando ainda estávamos perplexos com a presença de nosso ídolo de tempos de criança, surge, como se nós três estivéssemos sonhando, Milton Nascimento. O músico parecia à vontade, falou com a gente, deu um abraço apertado no Léo e pediu costela com aipim. Falou com o Papai-Noel e dividiu o balcão com ele, disse aos atendentes que já o conhecia há tempos, dos "bailes da vida". Foi um momento único, tenho certeza que nunca vou esquecer deste dia. Emoção ao quadrado, bem na Praça da Bandeira.


  Milton e Papai Noel ao fundo conferindo o saco.

Noel acabou de comer (comeu a galinha sem tirar as luvas brancas), palitou os dentes, deu uma conferida no saco e foi falar com a gente. Era de Portugal mesmo, de Braga, e tinha 73 anos. Velho simpático, falou da dureza de seu trabalho e da jornada que iria ter pela frente naquele dia. Comentou ainda que sempre que podia passava por ali para comer no Rex, que para ele também é o melhor galeto do mundo. Ficou encantado com meu fusca 67, e com toda a educação pediu para sentar no banco do motorista. Disse também que seria um belo trenó, foi um orgulho pra mim. Antes de partir para cumprir sua missão, tirou foto com povo, aumentando mais ainda o clima natalino na região.


 Papai Noel palitando os dentes após almoçar.

     Ele no fusca. Emoção...

   Com os populares.


Milton continuou no bar, ao acabar de comer cantarolou "Travessia" e disse a todos que a energia daquela esquina era muito positiva, o fazia lembrar de velhos tempos.

Foi, meus caros, um dia muito feliz.

Até.

*** As duas últimas fotos são de meu amigo Leo Boechat.

sábado, 19 de janeiro de 2013

DE VOLTA, E COM O ARMAZÉM.

Voltando hoje depois de um tempo parado. Muita coisa aconteceu neste período de inatividade, mas o que importa é que a casa está reaberta. Tenho visitado alguns bares que já conheço e sou freguês há anos, como   lugares importantes no cenário pé-sujo carioca que ainda não havia tido o prazer de pisar. Vamos com calma, aos poucos entramos em velocidade cruzeiro citando estes locais e dividindo com todos as belas experiências etílicas de nossa cidade

Dia desses, poucos atrás, retornei ao Armazém Senado, local que já mencionei aqui e aqui. Meu irmão Arthur Favela, paulista, toda vez que vem ao Rio pede para irmos lá, e como ele pintou por aqui junto com o Danilo, outro chapa, fomos num sábado bem cedo. O bar, ainda bem, continua a mesma coisa, diria até que mais bacana. Falo isso porque vivemos uma onda de modernização que não tá no gibi, e quem perde com isso é a freguesia. Não posso negar que ainda estou muito preocupado com a absurda construção dos espigões da Petrobrás ali na Senado com Inválidos. O bar do Seu Davi foi pro saco, a igreja de Santo Antônio dos Pobres tá interditada com rachaduras e meio quarteirão de casarios históricos foi demolido. O Armazém Senado resiste, destoa do que está acontecendo ali, e isso graças aos donos. Foi recentemente tombado pelo alcaide, o que não deixa de ser uma boa notícia, se bem que a cobertura do falecido estádio Maracanã também era tombado e... Há preocupação.










Bom, voltemos ao sábado pela manhã. Às 10 horas cheguei e prontamente abri os trabalhos. Estava biritando no balcão, aguardando Favela e Danilo, e um coroa passou com uma garrafa de cachaça chamada São Paulo. Fiquei mirando e ele então me ofereceu uma dose, pois a garrafa era dele, acabara de comprar no próprio Armazém. Foi uma grande descoberta, cachaça pernambucana, boa companheira para a cerveja. Resultou que não resisti e tive que levar uma pra casa também. Proseava com o senhor e logo chegaram os dois caboclos. Bebemos com vontade, para matar a saudade, e beliscamos salaminhos e azeitonas. Minha garrafa de São Paulo ficou pela metade, diga-se de passagem. 

O legal do Armazém é que ele tem fregueses muito fiéis, então você sempre conhece alguém, sendo assim a conversa que é de um acaba virando de todos.  Samba das antigas saía pelas caixas de som, o que nos deitava ainda mais no balcão de mármore de 105 anos. O que me deixa feliz cada vez que vou ao Armazém Senado é como o Fernando e Henrique cuidam da casa. Colocaram os vidros antigos cheio de detalhes, preservam o balcão histórico, têm vinhos da melhor qualidade na carta, cachaças de vários rótulos nas prateleiras, fotos antigas nas paredes... Tudo isso sob o olhar atento do Seu Antônio, pai dos dois, velha guarda e boa praça.








Com mais esta visita, posso afirmar tranquilamente que o Armazém Senado ainda é um lugar aonde se vive o Rio de Janeiro da forma mais bonita, onde o dia passa e não se percebe. Bebe-se como antigamente.

Até

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A FERA DA URCA

[11 de junho de 1962, segunda-feira. Rua São José, centro da Guanabara]


- Corre logo, Luís! Tô me molhando toda, tá uma chuva danada.

- Estou indo mulher, se preocupe com as poças para não acabar com essa meia-calça que você me encheu pra comprar.

Um minutinho depois...

- Ah, que bom que chegamos, amor. Vamos na praça do Farias!

- Tá bom, mulher.

Acomodam-se e prontamente chega o Farias.

- Boa noite sr. Luís. Boa noite sra. Catarina.

- Eu quero o meu Blood Mary...

- Certo madame. Sr. Luís, já trago sua garrafa de uísque.

- Obrigado Farias.


Toda a segunda-feira era a mesma coisa, um biricutico no bar Glorioso, no centro da Guanabara. Para o sr. Luís era de praxe, para sua mulher nem tanto. Ela era fã do programa Balança mais não cai que passava na rádio Nacional e ficava muitas vezes coladinha no valvulado ouvindo seu ídolo Paulo Gracindo. Portanto, quando isso acontecia seu marido bebia só. Luís adorava, pois sua senhora falava pelos cotovelos.

A cidade estava em polvorosa por causa da Copa do Mundo, e os bares lotados de homens querendo papear sobre o escrete nacional. O Brasil ganhara no dia anterior da Inglaterra por três tentos a um, com dois de Garrincha e um de Vavá, e não se falava em outra coisa. Luís não sentava na praça do Farias, só quando estava com a mulher. Farias era um garçom muito calado e não gostava de futebol, mas a dona Catarina o achava elegante. Luís sentava com o Duarte, que era espalhafatoso e falava da seleção. Chegava a gargalhar com ele.

Luís era um ourives conhecido e bem sucedido. Frequentava os bares, tinha muitos clientes e gostava de mulheres. Ele tinha a sua, a Catarina, mas andava sempre com uma moça diferente para o distrair. Catarina cuidava da casa em que moravam, na Urca, e andava somente pelo bairro. Tinham uma relação mais de aparência do que outra coisa. Dentro das quatro paredes quase nada acontecia e o carinho entre eles apenas aparecia para a sociedade, quando estavam  juntos em eventos. Mas Luís sempre expunha em excesso sua superioridade, chegando em alguns casos a destratar sua senhora em público. E ela coitada, sempre abaixava a cabeça nessas horas. Resumindo, ela tinha um cotidiano no bairro, saindo com ele poucas vezes, e o sr. Luis todos os dias tinha que fazer sua farrinha antes de chegar em casa.

Alguns dias depois, Catarina contraiu uma tosse temida, que tinha cara de futura tuberculose. Não podia sair de casa. O médico de confiança de Luís estava em Buenos Aires, o que o deixou de calças arriadas. Sem saber a quem recorrer, deu uma passada no Glorioso após fechar sua oficina, na rua do Rosário, para amaciar o gogó e pensar um pouco. Comentou sobre a mulher com o Duarte, que rapidamente chamou o Farias. Farias tinha um irmão médico, especialista em tosses, e poderia ajudar. Então o calado garçom tomou nota do endereço do ourives para dar ao gêmeo. Sim eram irmãos gêmeos. No dia seguinte pela manhã estava o doutor Humberto na Urca, para tratar de Catarina. Constatou realmente que havia sério risco de tuberculose e recomendou que Luís saísse de casa por duas semanas para que não houvesse risco de contaminação. Luís trabalhava num sobrado espaçoso, que tinha um cômodo confortável onde poderia ficar sem problemas por este tempo. Estava um pouco preocupado com a mulher, ligaria pra ela três vezes ao dia , mas ao mesmo tempo radiante por ter quinze dias de liberdade. Seriam realmente dias de esbórnia completa, sumiria dos bares e ficaria apenas em prostíbulos ou em sua oficina com outras "damas".

Catarina, que era mandada pelo marido mas não era besta, estava de armação. Tinha 42 anos de idade e era casada há 22 anos. Tinha de tudo dentro de casa, menos a felicidade que só um companheiro pode oferecer. Depois de muito matutar, resolveu perder o medo e agir. Era certo que se ficasse esperando por Luís morreria sem os calores que uma mulher de seu porte necessitava. Humberto ganhou um dinheiro para inventar a doença que a mulher estava fingindo para o marido. Logo no segundo dia de tratamento, o médico levou seu irmão para ver Catarina. Estava tudo combinado. Conversa não era o forte de Farias, que pegava no serviço às 18hs, e ficou quinze dias praticamente morando na Urca. Fornicavam o dia todo, com pausas para beber algo e fazer necessidades. Comiam pouco. O Garçom era calado mas viril e dava conta da inquieta Catarina, que estava em dias de descobertas e queria fazer de tudo. Ela começou a chamá-lo de Possesso. Lá pelo quarto dia, o Humberto entrou na jogada, e o negócio virou bacanal. Eram gêmeos, cutucando a agora feliz Dona Catarina por várias horas. Ela era incansável, berrava como uma cabra, suava como uma cerda e pulava como uma macaca. Por causas destas características, os gêmeos lhe deram a alcunha de Fera da Urca. Nestes quinze dias, quatro homens ajudaram no "tratamento": Farias, dr. Humberto, Neto (o porteiro do prédio) e o Duarte, que também estava no esquema. Ela ficou satisfeita e descobriu um mundo novo neste curto espaço de tempo. Era definitivamente outra mulher, um pássaro fora da gaiola, para sempre.

Após a época da enfermidade, o casal voltou ao cotidiano das segundas no Glorioso. Dr. Luís logo agradeceu ao Farias pela indicação do irmão, passando a gostar de sua praça e lhe agraciar com generosas gorjetas. Mas sua imponente figura, ao menos neste bar, já não botava respeito. Todos no Glorioso, do dono aos copeiros, ficaram sabendo do tratamento de sua senhora. Ele passou a ser conhecido nas internas como Mister C, ou apenas cornão.


Catarina e Luís em raro momento de carinho no Glorioso.



Dona Catarina foi corna a vida inteira, e seu homem um corno de primeira viagem que viria a se tornar um corno veterano ao longo do tempo com outras doenças de sua mulher. Luís morreria sem conhecer a Fera da Urca, sempre achando que teve esposa fiel. Catarina sabia que era traída, nunca saiu da Urca, e fez meio mundo conhecer seu bairro.

Até.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

PILEQUE

O Pileque vai tratar de bares, borrachos, velharias e cousas fora de moda. É o que interessa por aqui. Alguns textos que achei que têm a cara do Pileque foram importados do antigo Boemia e Nostalgia.

Un Abrazo.
Torreira.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

UM PASSEIO AMEAÇADO

Quase cinco meses após minha última aparição por aqui, volto para dar vida ao blog. Quero lembrar que ele está em fase de transição, coisas novas irão acontecer e textos serão colocados no ar com muito mais frequência. Este grande hiato deveu-se ao tempo dedicado a trabalho e estudo somado com falta de saco.

Bom amigos, o retorno não seria agora mas fui meio forçado depois de um passeio que fiz pela cidade em uma noite da semana passada. O texto de hoje tem a ver com um que já fiz em dezembro de 2009, relembrem aqui, é coisa rápida. Naquela ocasião falava sobre a obra absurda da Petrobrás que estavam fazendo no casco velho do centro, perto ali da rua dos Inválidos com rua do Senado. Pois bem, semana passada recebi o telefonema do Seu Davi, dono desse botecaço aqui, e ele me informou que o bar iria acabar, assim como muitos outros casarios e bares ao redor. Preferi desligar o telefone e combinei para conversarmos ao vivo sobre o assunto. Marcamos na quarta-feira passada e passei por lá depois do trabalho. Ao me aproximar já me assustei com os gigantes edifícios, quase prontros, da nossa empresa de petróleo que contrastam tristemente com casarios seculares. Vale lembrar que a igreja de Santo Antônio do Pobres que foi erguida em 1811, portanto há exatos duzentos anos, está toda cheia de rachaduras enormes e várias outras casas e prédios vizinhos estão na mesma condição. Pedi uma Brahma, sempre gelada, e botamos o papo em dia. O que ele me contou foi simplesmente assustador, a ponto de eu não acreditar no começo. O bar dele, assim como quase um quarteirão inteiro de lindos casarios que deveriam ser conservados e tombados, irão abaixo para que seja erguido um shopping de sete andares. Culpa de capitalistas filhos da puta, que não estão nem aí para a importância do local, como a construtora responsável por isso tudo, a W TORRE, que ergue um concreto estúpido sem responsabilidade alguma.


Triste contraste entre nas duas fotos acima


O espetacular Armazém Senado, que fica ao lado, parece que não sucumbirá, mas tenho dúvidas e preocupações quanto ao seu futuro, pois depois que começar o expediente ali, as pacatas ruas do local virarão um inferno de carros e milhares de pessoas. Como disse no texto de 2009, por que não construir isso em um outro local? A Barra, cheia de modernidade seria o ideal. Não houve um só homem com peito para tomar frente e tentar impedir o absurdo, e agora o Rio de Janeiro e seu povo que o ama, perderá MUITO com mais essa palhaçada.

A prosa durou por três cervejas, e depois decidi fazer um tour para analisar o que podemos perder. Saí do bar do Seu Davi e passei por uns seis bares que estavam com seus clássicos ébrios de cada dia, que estão ameaçados de ficarem órfãos. Bares renomados e imundos como o Araujópolis, Bar do Peixe, Sucos e Balas 1001, Bar do Deda, Sinuca de Bico e outros, talvez não poderão exercer mais o papel de hospital das almas para muitos que necessitam de conforto em seus balcões.

Em todos os bares, bebi cerveja estupidamente gelada e comi autênticos acepipes de botequim. Essa cerveja sempre gelada e os acepipes clássicos e generosos, estão ameaçados. A cultura do São Jorge no Altar, da arruda na garrafa de vidro, do lava-pés, do gole para o Santo antes de sua primeira golada, da amizade eterna, mesmo que seja por uma noite, entre dois desconhecidos, das incontáveis saideiras, a cultura das maravilhosas estantes com bebidas quentes, e várias outras mais, estão ameaçadas naquela região. Uma região histórica para a cidade com lindos casarões e seus sobrados seculares, que perdem para a estupidez do homem, que preferem a grana dos espigões do que a boniteza de lugar.

Para finalizar... Foi um passeio bonito, com tristeza e ao mesmo tempo esperança de não haver uma destruição total. Foi um passeio que pode não acontecer de novo.



Bar do Deda e suas bebidas



Pessoal relaxa no Sucos e Balas 1001



Engenhoca no banheiro do Bar do Peixe.


Balcão clássico do Araujópolis com direito a arruda.


Cerveja trincado no Araujópolis.


Arruda no balcão do bar do Deda.



Fim do passeio na Sinuca de Bico na rua do Resende.


Até.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O DESTINO DE YOLETE

Seu Ary tinha sessenta de dois anos e morava numa casa de vila na Pereira de Almeida, no bairro da Praça da Bandeira. Era casado com Yolete, mulher dez anos mais nova, pudica, que conhecera no colégio Lafayette. Na época Ary trabalhava numa quitanda do tio que ficava ao lado da escola, e a pequena Yolete sempre passava por lá pra comprar fruta do conde, sua preferida. Na verdade, ela era gamada mesmo num menino chamado Isaac, da série posterior, mas o garoto era tão safado com ela, que para tirá-lo de sua mente começou a se envolver com o Aryzinho. Ary e Yolete se casaram depois de namoro e noivado, como manda o figurino, e foram morar nesta adorável vila. Tiveram uma única filha, chamada Ligia. Quando era pequena os vizinhos pensavam que ela era retardada, mas estavam enganados. Ligia, com o apoio dos pais, se tornou uma pianista exímia, e depois de ganhar um concurso internacional foi morar em Varsóvia, na Polônia. Fez questão de levar na bagagem seu primeiro piano, que ganhara de presente de seus pais após grande negociação realizada na Casa Milton da Mariz e Barros. Ligia nunca mais voltou ao Brasil, seus pais apenas recebiam notícias via carta ou telefone.

Yolete, uma linda e atraente senhora de cinquenta de dois anos, era do lar. Havia feito um curso de corte e costura no Instituto Universal Brasileiro, e por isso ganhava uns trocados fazendo pequenos trabalhos nesse ramo. A dona era fascinada por programas de rádio e sempre estava atenta na Nacional para ouvir Ângela Maria, de quem era fã ardorosa. Yolete chegou a ganhar, num sorteio realizado na rádio, uma visita da cantora em sua própria casa. Foi um auê na Praça da Bandeira. Ary, depois que saiu da quintada, aos vinte e seis anos, arrumou um empregaço na Casa José Silva da Miguel Couto, no Centro no Rio. Era a boutique mais badalada e chique do momento, que vendia apenas o último grito em modas. Começou como vendedor de porta, mas como era um cara muito elegante e gostava de roupas finas, chegou a ser o chefe da sessão de ternos. Atendia pessoas importantes da sociedade, inclusive políticos. Ary, ao contrário de sua esposa, era um homem muito extrovertido e boêmio. Falava pra cacete, era presidente da associação de truco da Praça Afonso Pena e gostava de estar nos bares do bairro com seus amigos.



Yolete tinha orgulho do seu diploma. Preencheu um cupom como este.



A Casa José Silva foi importante para a vida de Ary.



Ângela Maria fez questão de passar o café para sua fã da Praça da Bandeira durante a visita.




O casal se dava bem, e Yolete não se importava do marido sair para jogar ou beber uma cerveja pois sabia que o mesmo era trabalhador. Ela saía somente por perto ou para visitar familiares. Ary não gostava de levá-la para passear à noite por causa de ciúmes, mas sempre a levava para conhecer os pontos turísticos do Rio aos domingos. Ela gostava dos passeios, se divertia, esquecia um pouco o cotidiano repetitivo dentro de casa. Aliás, em casa eles se entendiam perfeitamente. Todos os dias, religiosamente, o bicho pegava na cama. Ela deixava a timidez de lado e chegava a ser até um pouco vulgar por causa de seus gemidos sem controle. Era naquele momento que ela libertava a voz aprisionada durante o dia. Ele era apenas um animal em forma de homem, batia no peito e se achava o mais viril do mundo. Este era, definitivamente, o ponto forte do relacionamento. Nos dias de ebulição do casal os vizinhos da vila ficavam espantados. Alguns deles, os marmanjos, tinham sua imaginação atiçada. Qual seria o papel de uma mulher tão calada e quieta dentro de quatro paredes?

Ary era feliz, e a única coisa que lhe incomodava era a ausência de Ligia. Yolete era meio triste por ficar muito tempo só, sentia muito mais falta da filha, mas o que lhe restava era deixar o tempo passar.

Numa segunda-feira depois do almoço, ela liga para o trabalho do marido para avisar que iria visitar sua irmã Cecília que estava doente, nada de grave. Cecília morava numa casa na rua Filomena Nunes, em Olaria. Passaram uma tarde gostosa, comeram bolo de fubá com café e botaram o papo em dia. Às dezesete horas se despediram, pois a lotação já estava para passar. O destino, sempre nos pregando peças, iria entrar em ação para mudar o rumo da vida do casal. A lotação em que Yolete estava voltando para casa bateu de frente, e de forma violenta, no bonde linha 93 que rumava para a Penha. Foi um feio e estrondoso desastre. Quando soube da notícia, Ary correu para o hospital para ver o estado de sua senhora. Ela estava com a cabeça toda enfaixada na enfermaria. Ficou internada por algumas semanas, e além de perder todos os dentes, fez exames que constataram que Yolete perdera a fala e parte da audição. Foi uma tristeza enorme.



O desastre que mudou a vida de Yolete.



Com o passar do tempo, a vida foi voltando ao normal. Ela às vezes sentia dores na cabeça e tentava se acostumar com a nova situação. Ary ficou chateadíssimo. Sentia pena da mulher e ajudava no que podia, mas depois de poucos meses uma coisa começou a lhe incomodar muito, o desejo carnal não era o mesmo. Tinha pena da coitada e não a via mais como um pedaço de pecado. Além do mais, no lugar dos gemidos estridentes que lhe davam tanto tesão vieram os sons fanhosos de Yolete. Ele odiava aquilo, e por isso chinês caolho começou a falhar. Ele mudou de comportamento, ficava o dia inteiro de cara fechada, e seu rendimento no trabalho caiu. Seus amigos de bar e de truco, sabendo da situação, começaram a botar merda na sua cabeça. Veio então a idéia da separação. Ao saber que seu marido estava pensando nisso, Yolete tinha que fazer algo, pois não queria perder seu viril elegante. Desesperada, partiu um dia para a zona do mangue para procurar uma prostituta. Queria ajuda. Na Pinto de Azevedo encontrou Olga, uma polaca grandona e ao mesmo tempo muito simpática. Contou seu caso para ela com sinais e escritas, e deu uns cruzeiros para que a puta gravasse uns gemidos em seu gravador portátil. Olhem como estava a pobre. Pois é, na mesma noite tentou uma sacanagem meio tecnológica, e assim que foram para cama ela apertou o "play" do gravadorzinho e os gemidos da polaca ali estavam. Ary riu, gargalhou, e ela desabou no choro.

O casamento de anos estava abalado. Yolete ficou deprimida, não reagia. Ligia se correspondia com ela com mais frequência mas mesmo assim não bastava. Ary começou a beber como um bode e sempre chegava em casa fedendo e agressivo nas palavras. Sua mulher ficara surda, mas não totalmente, e ouvia algumas das ofensas. Voltara algumas vezes à Pinto de Azevedo, onde para sua surpresa, recebera carinho e ficara amiga de Olga e de outras meninas. Falavam muito de Ligia, pois estava morando na Polônia. Esses dias de situação ruim em casa foram costumeiros, até que numa noite de sexta-feira Ary veio disposto a acabar com tudo. Ele queria outras mas não tinha coragem pois era casado e não tolerava traição, e ainda por cima soube pelos parceiros que sua senhora foi vista na zona. Um bafafá danado se instalou na vila e todos escutavam os berros ofensivos que eram desferidos contra ela. Ele foi o mais canalha possível, não pensou no passado de alegrias e a enxotou de casa apenas com uma muda de roupas. Saiu chorando muito a infeliz, com uma vergonha sem tamanho, como um cão sem dono.

Nos dias seguintes ele foi trabalhar como se nada tivesse acontecido, e sua vida e alegria foram voltando ao normal. Truco, bebida e desta vez mulheres. Depois de duas semanas resolveu ligar para Cecília perguntando se Yolete estava bem, presumindo que ela se refugiara em sua casa, mas a cunhada disse que não a via desde o dia do acidente. Yolete havia sumido. Ele ficou encucado com isso por uma semana mas depois relaxou. Era putaria todos os dias, carraspanas homéricas, mulheres variadas... Seus amigos, quase todos casados, não podiam lhe acompanhar em tudo pois tinham hora para chegar em casa. Os mesmos que falavam para que se separasse botavam o rabo entre as pernas na hora agá. Poucos eram, na verdade só os mais vagabundos pinguços, os que ficavam até tarde da noite com ele. Ary, que já não era um garoto, estava se acabando, e na verdade, no miolo do peito, sentia falta de uma esposa.

Meses se passaram com a mesma rotina para ele e depois de quase um ano soube notícias de sua mulher. Alguém desconhecido comentara no bar que ela havia sido vista numa das janelas da região do mangue. Ele ficou uma arara, mas não teve coragem de ir lá para conferir. Yolete buscara abrigo com a polaca Olga, e ficou hospedada num quartinho em troca de serviços como faxina e costura. Da família, somente Ligia sabia de seu paradeiro, e sempre que podia mandava um dinheiro para a mãe. Yolete pensou que a vida tinha acabado pra ela, mas o destino, o mesmo que lhe pregou a peça do acidente, iria voltar. Como estava desiludida, querendo esquecer de vez o desgraçado do marido, perguntou para a polaca se podia entrar no time das meninas da vida. Olga explicou tudo, detalhou como era aquela vida, mas Yolete não tinha nada a perder e iniciou uma nova profissão. Era tímida no começo, mas depois foi se acostumando até chegar num ponto em que virou a preferida da rapaziada, um loucura. Ela já havia passado dos cinquenta mas estava inteirona, tinha as coxas ainda firmes e roliças, faziam fila por causa dela. O enorme sucesso veio por causa de uma técnica que ela desenvolveu ao longo da jornada laboral, o gengivete. Era basicamente um sexo oral sem dentadura de forma mais pausada. Sei que o troço quando praticado de forma perfeita, era como se fosse um xeque-mate pastor, bastavam quatro movimentos e acabava a brincadeira, o malandro já arriava. A notícia se espalhou e ela não estava dando conta de tanta demanda. Recebeu um dia, numa visita de um gringo dinamarquês, uma proposta para estrelar num filme pornô da Color Climax Corporation, indústria excelente que dava banho nos super 8 americanos. Ela recusou pois tinha medo de aparecer por aí sabe-se lá aonde. Estava certa.


Yolete negou trabalho na CCC para preservar a imagem.


Os amigos de Ary se inteiraram do talento de sua mulher, ou ex-mulher, e depois disso a chacota e humilhação arruinaram o velho homem da Praça da Bandeira e arredores. Perdeu o emprego, os "parceiros", largou o truco e parou de pensar em mulheres. Queria sumir. Num dia de rara coragem passou no prostíbulo, e depois de um ano ficou cara a cara com Yolete depois de encontrá-la. Não estava agressivo, pelo contrário, estava choroso, e assim com esperança suplicou o retorno de sua pudica ao lar. Mas de pudica ela não tinha mais nada, estava com um sorriso radiante. Num ímpeto louco e debochado começou a dançar fazendo malabarismos com suas três dentaduras, gargalhava emitindo sons fanhos alucinados, e olhava para o céu colocando suas gengivas de ouro ao vento. Ary saiu correndo com as mãos apertando a cabeça, e este sim, nunca mais foi visto.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

COLUMBINHA e COLUMBIA

Todo mundo sabe, ou deveria saber, onde fica o Columbinha. Columbinha é um dos maiores bares que existe, e fica localizado na Tijuca. Ao lado de um dos melhores galetos, o Columbia, e em frente ao Club Municipal e ao Motel Palácio do Rei, este botequim sujo, bem sujo, é a estrela maior daquele quarteirão. É o típico cospe grosso, bem imundo, e tem uma cerveja de primeira e um torresmo de dar água na boca. Sempre que faço um "tour" pelos bares do bairro o último balcão é do Columbinha, pois tenho muito apego por ele e gosto de conversar e dar boa noite para o Zé. É, chamo este balcão de Zé, sei lá porque.

Já tive o prazer de levar vários amigos meus para lá. Gosto muito de levar os camaradas do peito de São Paulo. Neste vídeo que está no Buteco do Edu vocês podem ver o dia em que fechei a casa com o amigo Favela, e neste outro post, no mesmo Buteco do Edu, podemos conferir o amigo Szegeri tendo o prazer de beber no Columbinha com um senhor que é autoridade no pedaço, o Berinjela. Bom, é sabido e está claro que este bar faz parte da minha vida pois faz com que meu coração trabalhe.

Sou um dos que falam que a Tijuca tem os melhores botecos do Rio, encho o bairro de elogios, mas quando a coisa está ficando estranha também tenho que reconhecer. Toco neste assunto porque atualmente a dupla Columbia-Columbinha está me deixando preocupado. O Columbia, na verdade, já me deixou puto e com raiva. Entraram em obras há mais ou menos duas semanas e ontem passei por diante para dar um confere. Simplesmente eles acabaram com os balcões internos tradicionais de galetos e colocaram mesas e cadeiras comportadas. Que cagada! Que CAGADA! Mudaram totalmente a cara do velho galeto e elitizaram o troço. Isso, troço, é como deve ser chamado agora, pois galeto não é mais. Depois deste primeiro desastre fui para o Columbinha, meu xodó. Há dois anos atrás os donos da birosca pegaram uma velha quitanda que ficava ao lado e com isso aumentaram o "playground" dos ébrios locais, deixando-os à vontade caso tenham que dormir por ali. Coisa suja, combinando com a área principal, só levantaram as portas e pronto. Até umas caixas de cebola e alguns sacos de batata da velha quitanda ainda estão por lá. Mas ontem, depois de ver a barrigada de elite que o Troço Columbia fez, notei que esta área do Columbinha está em obras. Gelei na hora. Estava com pressa e não parei para perguntar, mas já estou com medo do pior. Já estou pensando merda e não sei o que vai ser de mim e de muitos tijucanos se suas carraspanas columbianas forem interrompidas.

Tenho medo, garanto que bem mais que a Regina Duarte, de que arranquem um dos mais importantes e históricos balcões do estado do Rio de Janeiro. O balcão que acolhe meus cotovelos e minha bebida com tanto carinho, que olha para mim e me dá apoio quando estou num estado em que vejo três balcões em vez de um, o balcão que tem a raça e a paciência de aguentar tantas lamúrias de momentos tristes e murros de alegria no momento do gol, o balcão que é como coração de mãe, o Zé para quem dou boa noite e recebo em troca um vai com Deus.

Por favor, o Columbinha não.

Até.