quarta-feira, 30 de abril de 2014

BAR DO JOEL

O nome do bar é Guanabara, não confundam com o Super Guanabara da Conde de Bonfim, mas todos conhecem como bar do Joel. Joel, que conheço há uns dez anos, era gerente do galeto Columbia da Haddock Lobo e há uns dois anos comprou este boteco que fica na Praça Afonso Pena, na Tijuca, bem ao lado do Figueiredo, o Rei da Chinelas (veja aqui). Ele trabalha mais na parte na manhã, e à noite quem costuma comandar o local é seu sócio, o Sr. Maurício. É um pé-sujo tipicamente tijucano, pequeno e aconchegante. Tem um balcão que acomoda uns cinco cotovelos e uma calçada que acolhe algumas mesas. Os fregueses são do bairro, em sua maioria de cabelos brancos, e quase todos se conhecem. Os mais antigos têm lugar cativo, como o Sr. Julio, que fica no fundo perto do freezer e o Beto, que sempre fica em pé na porta, na ponta do balcão. O bom ambiente que tem o boteco, junto com as boas bebidas e os excelentes petiscos fazem com que ele fique cheio quase o dia inteiro.

Bar cheio.

Senhor se refrescando.

Sr. Julio.

Mais um senhor desfrutando do balcão.

Patota na calçada.


Tem um senhor de barriga invejável que vai lá todos os dias, me foge o nome dele agora. Ele só bebe Teacher's, umas três ou quatro doses por vez, e depois vai para um subsolo ali ao lado apostar nos cavalos. Além da cerveja que vem trincando, as batidas de limão e gengibre são muito apreciadas. Apesar de ser acanhado, o botequim também tem uma considerável quantidade de cachaças artesanais, além dos vinhos de garrafão.

Os petiscos da casa são covardia, autênticas iguarias de bar decente. A sambiquira, ou sobrecu de galinha, é sempre disputada. Sai todos os dias na parte da tarde e o tabuleiro fica pouco tempo na estufa. O pernil banhado no saboroso molho da casa sai de manhã, e também não tem sossego. Muitos fazem compras no Pão de Açúcar antes do almoço e atracam lá para beber e bicar um pernilzinho. Ocorre o mesmo com a carne assada na farinha. O jiló no alho é o preferido do Joel, que sabe que o sabor do acepipe é magnífico. Ainda tem uma barriga de porco no vinho tinto, que tive o prazer de comer, mas não é toda hora que ela dá o ar da graça. É feita na casa e temperada por um freguês apaixonado por porco, o Antônio, que está sempre lá. E para quem precisa curar qualquer doença, é só pedir o saboroso mocotó na tigela.


Joel e seu jiló.

Cerva da casa.

Pernil.

Pernil sendo devorado.

Barriga de porco no vinho.

Bar do Joel.


O Bar do Joel e as pessoas que o frequentam são mais uma prova de que a Tijuca é um bairro clássico da boemia e resiste à badalações e modas gastronômicas. Isto orgulha o bairro. Vida longa!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

CANTINHO DO CÉU

Em algum domingo do último mês de dezembro, logo após chegar em casa da pelada dominical, senti uma sede aguda, daquelas de deixar a goela bem seca. Era sede de cerveja. Fui pensando qual seria o bar da vez, a Tijuca é um local privilegiado nisso, e para quem é fã de um belo balcão o bairro é o paraíso. Estava me dirigindo ao Columbinha mas sem querer dei um olhadela para o lado esquerdo e vi o aconchegante e pequeno Cantinho no Céu, portentoso boteco tijucano que não pisava há tempos. Cruzei a Haddock Lobo e em questão de segundos já estava acomodado numa mesinha de canto, que por sorte é minha predileta. Puxei uma ampola. Ao meu lado um coroa com boné do Flamengo conferia o resultado dos cavalos falando com entusiasmo que apostara no Zatopek, na outras haviam experientes locais que tagarelavam sobre probabilidades de resultados do campeonato nacional de futebol, que estava nas últimas rodadas. Depois dessa analisada no ambiente, examinei rapidamente o quadro com os pratos do dia e depois o que tinha na estufa. Decidi rapidamente por uma bela carne assada com legumes cozidos. A comida simples de botequim é o carro chefe da casa, sempre bem feita e com porções honestíssimas. Os beliesquetes são caprichados também, como as orelhas de porco, que adoro. Pra quem é da casa está liberado ir ao mercado ao lado, caso queira, comprar algo para alegrar o estômago (azeitonas, por exemplo) e consumir no bar. Coisas do bairro. Veio minha refeição, que estava com boa pinta, e para ficar mais bonito pedi a pimenta da casa e um pouco de farofa.




Logo em seguida, apareceu um senhor bem vestido, calça e sapatos sociais, blazer, camisa do Vasco e vários elásticos no pulso direito. Se aproximou e com educação pediu dinheiro para comida. Disse para que sentasse e lhe perguntei o nome. Era Jorge. Aproveitei o momento e perguntei também se ele se importava em almoçar ali comigo. Em poucos instantes comíamos juntos, ele quis carne assada com macarrão. Papeamos, o senhor sabia das coisas, e ele me falou que morava nas esquinas, mas tinha uma uma preferida, a da Afonso Pena com Martins Pena, perto de uma padaria que tem ali. Disse também que ficara surpreso com meu convite pois ela era negro e morador de rua. Conversamos sobre samba, futebol, mulher e outras coisas mais. O Jorge é salgueirense, vascaíno e compositor, cantarolou duas de suas autorias, "Um amor de Jacarepaguá" e "Sina". Me deu uma zombada dizendo que era America também, pois segundo ele todo tijucano é America. Mostrei minha insatisfação, de leve, com tal argumento. Fiquei impressionado com seu amor pela Tijuca, disse-me que gosta de tudo que diz respeito ao bairro. Assim que acabou de comer pediu licença para ir. Lhe ofereci um trocado mas recusou, falou que preferia levar uma garrafa d'água sem gás. Dei-lhe o jornal também, pois queria ler as notícias. Atravessou a rua com aparência de satisfeito e foi embora. Pedi mais duas, vieram mofadas, os coroas da mesa ao lado já tentavam lembrar letra de samba batucando nas mesas, uma senhora passou com o carrinho de feira cheio de compras e o porteiro do prédio ao lado palitava os dentes. Paguei, subi  a ladeira e fui descansar. Salve a Tijuca e o Cantinho do Céu.

Abaixo alguns momentos de nosso papo:







Até.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ENTREVISTA: EZIO, DO BAR BRASIL

Sábado cheguei cedo ao Bar Brasil, por volta das onze horas. Ainda não havia nenhum freguês na casa e os garçons terminavam de arrumar as mesas. Fazia um calor do cão. Falei com todos, sentei e pedi um chope, ou melhor, o chope.

Frequento o Alemão da Lapa desde garoto por causa da minha família. Meu falecido pai e meus tios espanhóis iam todas as quartas-feiras lá para beber, fumar charuto e conversar. Tenho várias passagens daquela época na memória e as pretendo contar aqui em momento oportuno. Sábado fui para bater um papo com o lendário Ezio, garçom do Bar Brasil que infelizmente, para nós, vai se aposentar. Soube disso no finalzinho de dezembro quando passei por lá com amigos e falei com ele. A notícia tem pego as pessoas de surpresa, mas não há o que fazer, assim é a vida.

Ele, com a classe de sempre, trouxe-me outro chope e sentou-se ao meu lado para iniciarmos a conversa:




Torreira: Bom dia, meu caro Ézio. Qual o nome completo do senhor e onde nasceu?
Ezio: Meu nome é Ezio Bessa Lima e nasci na cidade de Itaperuna, estado do Rio de Janeiro.

Torreira: O senhor mora em qual bairro?
Ezio: Moro em Nilópolis.

Torreira: Torce para qual time?
Ezio: Sou vascaíno.






Torreira: Quantos anos de Bar Brasil o senhor tem?
Ezio: Dia 1º de Setembro de 2013 eu fiz cinquenta anos de casa. Seguidos, sem ter saído por algum período para outro lugar.

Torreira: Como veio trabalhar no Bar Brasil? Como isso aconteceu?
Ezio: Tudo começou quando minha mãe ficou viúva. Somos cinco irmãos na família, sendo uma menina. Então ela teve que trabalhar em casa de família. Ela trabalhava para uma senhora austríaca lá no Clube Alemão, no Rio Comprido, em cima do túnel rebouças. Um dia ela comentou com esta senhora sobre a dificuldade que estávamos passando em casa, e então sua patroa disse que iria falar com um amigo para me arrumar um emprego. No dia 31 de agosto de 1.963 pela manhã ela me trouxe ao Bar Brasil e me apresentou ao dono na época, o Maier, um austríaco. Conversei com ele e no dia seguinte comecei a trabalhar. Estou aqui até hoje.

Torreira: Falemos um pouco do Bar Brasil. Os bares da Lapa se modernizaram bastante nesses últimos anos. Existem agora vários bares de filial, chiques, descolados... O senhor acha que isso vem prejudicando o movimento da casa?
Ezio: De maneira alguma. A tradição aqui fala mais alto, graças a Deus nossa freguesia segue firme e forte.

Torreira: Eu sei que a freguesia fiel das antigas sempre frequenta a casa. Existem fregueses novos se tornando fiéis também? 
Ezio: Sim. Muita gente nova passou a colocar a casa em seu cotidiano e vem toda a semana.

Torreira: Então podemos dizer que o Bar Brasil tem muita estrada pela frente ainda?
Ezio: Não tenho dúvidas.

Torreira: Quando o senhor está de folga, tem algum local preferido para beber sua cerveja? Ou o senhor não bebe?
Ezio: Eu bebia muito, era muito farrista, gostava muito de noitada... Mas hoje eu estou na igreja e não bebo mais. Estou bem assim.

Torreira: O senhor me disse que se aposentará em fevereiro. O que pretendes fazer quando isso acontecer?
Ezio: Eu vou pra roça. Eu tenho um sítio perto de Itaperuna e Santo Antônio de Pádua. Meu pai gostava da roça e por isso eu gosto também. Vou descansar por lá.




Torreira: E de vez em quando virás visitar o Bar Brasil?
Ezio: Vou sim. Meus amigos e clientes aqui são muitos. O pessoal tem pedido para eu não parar, dizem que estou novo, que posso esperar um pouco mais... Mas acontece que eu estou me sentindo cansado, não do trabalho, mas sim da obrigação diária de ter que levantar cedo, encarar ida e volta na condução... Mas sou feliz com meus patrões aqui, meus colegas de trabalho. Na realidade, quando estou voltando pra casa de metrô e começo a pensar que está chegando a hora de me despedir do pessoal aqui, minhas lágrimas começam a descer. Isso aqui é minha vida, tudo o que consegui foi este lugar que me deu.

Torreira: Seu Ezio, muito obrigado por bater esse papo comigo, foi um prazer. Virei ao Bar Brasil mais vezes até fevereiro para aproveitar sua presença na casa. Um grande abraço!
Ezio: O prazer foi todo meu. Conheço toda sua família e é sempre bom quando vocês estão por aqui. Fale para os seu tios Celestino e Benjamin aparecerem. Vou lá pegar mais um chope pra você.

Ezio, os fregueses do Bar Brasil sentirão muito a sua falta, o senhor é um dos melhores garçons do Rio de Janeiro, uma pessoal muito especial para vários bebedores de chope e amantes da tradição carioca. Espero que sejas muito feliz lá na sua roça e sempre que puder apareça para que possamos matar a saudade. Grande Abraço!

Até.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

C. B. ESTUDANTIL, O VALENTE TIJUCANO

Falando mais uma vez de bares, o grande propósito deste espaço, venho hoje escrever-lhes sobre o Café e Bar Estudantil, valente boteco tijucano. Digo valente porque este pé-sujo, também conhecido como Bar do Xoxó, resiste bravamente aos riscos diários de sucumbir à modernidade. Isso deve-se muito ao dono da birosca, mas principalmente aos fregueses, que são fiéis. Conheço quase todos, são figuraças. Temos o Benito de Paula preto, a Sem Família, o André, o Jorge, o Pica-Pau [que anda sumido], o velho do tique nervoso, o gordo da rádio Manchete, o Gattito, a mulher do cachorro, o bigode da loja de tintas... 

A primeira história que vou contar do local é um mistério. O bar é apertado, cotovelos batalham bravamente por um espaço no balcão, e para entreter o pessoal tem uma tv de quatorze polegadas que funciona na base do bombril. Pensando em melhorar o serviço, o Xoxó comprou [ou alugou, não sei] a loja colada ao bar, que era uma farmácia, e ampliou o local. Colocou mesas bacanas de madeira, fez uma pintura legal e comprou uma televisão dessas grandes e finas. Mas para assombro geral, o novo espaço fica praticamente vazio, os fregueses acharam limpinho demais, não sentiram-se à vontade e preferem o balcão velho e a tv com bombril. Coisas de um bairro chamado Tijuca.

...

Presenciei dia desses por lá algo que teve o Jorge como protagonista. Era uma noite de domingo, coisa das vinte horas, e tinham uns cinco coroas reunidos na porta do boteco, todos da área, completamente mamados. O Jorge, que já tinha passado ali para bater o ponto, teve que ir ao mercado e na volta iria passar novamente pelo Estudantil antes de entrar em casa, era caminho. Pois bem, quando ele aparece na esquina, com umas quatro sacolas, o pessoal começou a gritar:


- Senta aqui pra saideira! 


- O que compraste no mercado?!


O Jorge não precisou de insistência e sentou para beber mais uma. Todos já estavam com a pança cheia de churrasquinho do Gattito. De cerveja nem se fala. Até que um malandro puxa um pote que estava em uma das sacolas do Jorge e urra da calçada: 


- SORVETE!!! Vamos abrir! É passas ao rum, porra! 


E o Jorge: 

- Minha mulher pediu pra comprar, aí é avacalhação!

Mas os outros da turma queriam também: 

- Ah, deixa a gente abrir, cacete, precisamos de sobremesa. Fala pra tua senhora que não tinha. 

O Jorge, grande torcedor do Botafogo, cedeu facilmente, tudo pela amizade:

- Vamos comer essa bagaça, então, mas eu me sirvo primeiro. 
- Ô Zé, traga colheres para estes homens! 

E o pote de dois litros esvaziou-se em questão de minutos. Sabe-se lá o que ele falou ao chegar em casa.

...


Há uns dois anos estava eu fazendo um tour etílico pelo bairro com o meu mano de São Paulo, o Fernando Szegeri, o mano carioca, o Edu, e acho que o japonês Craudio estava nessa também. Andamos por uns cinco botecos, fechando todos, mas queríamos a saideira. Não lembro que horas eram, mas já era bem tarde, alta madrugada. Quando chegamos defronte ao Estudantil, era o último botequim a ser conquistado, as portas encontravam-se arriadas. Por um instante bateu-nos a melancolia. Mas ao olharmos com atenção vimos as luzes acesas do lado de dentro, ou seja, tinha gente. Batemos na porta e ao mesmo tempo colocamos um mico [ou vinte mangos] pela fresta pedindo cerveja. Me identifiquei, então o rapaz [acho que era o Baixinho] abriu, nos olhou com esgar sorridente e disse que já estavam saindo e portanto não poderiam esperar que acabássemos a cerveja. Mas ao mesmo tempo [veja como este bar acolhe seus fiéis] disse-nos que nos venderia cinco ampolas e após terminarmos poderíamos deixá-las, junto com os copos americanos, no canteiro da árvore que fica logo em frente ao lugar. Agradecemos ao pobre homem, que estava morto após extenuante jornada laboral, quase de joelhos, como se ele fosse um rei.





...


O Café e Bar Estudantil e eu vivemos inúmeras vezes lado a lado. Numa delas, com meu irmãozinho Arthur Tirone, o Favela, fechamos uma pá de botecos [um deles o antigo Columbinha, dia em que ele conheceu o Berinjela, ícone tijucano] e por último ancoramos lá. Pedimos cerveja, mas em pouco tempo a fome negra da madrugada bateu à porta do nosso estômago. No canto da estufa, um pedaço de costela desamparado comoveu-nos. Mandamos pra dentro, delícia. Noutra vez, voltando de São Januário com o Tito após vermos o Palmeiras e ele levar uma cacetada do guarda ainda na arquibancada, bebemos umas por ali, foi memorável também. Com meu irmão de sangue, o André, que mora ao lado, foram várias ocasiões. Em uma delas presenciamos um senhor e sua viola, que deu seu show ali no balcão para nós, para um cabeça branca que sempre está bebendo sua lata de faixa azul (saudade) e para anônimos que ali estavam ou passavam pela calçada. Coisas que ficam marcadas. Por essas e outras é que afirmo que a valentia do Café e Bar Estudantil é comovente, constrói passagens bonitas na memória da gente que jamais serão esquecidas. Quando você percebe, o tempo é ligeiro, o boteco já faz parte do seu cotidiano, da sua família, de você. Torço muito para que o C. B. ESTUDANTIL seja um parceiro de longa data.



Favela no balcão



A costela que comemos


Noite com meu irmão André

Até.

domingo, 18 de agosto de 2013

O FIM DO BONITO JARDIM DA QUINTA BAR

Soube nesta semana através do camarada Tande Biar, grande torcedor do São Cristóvão e morador do bairro, que o glorioso bar da Dona Olinda, o Jardim da Quinta Bar, fechou as portas. Passei ontem por lá e para ser mais preciso, não fechou, mas mudou o comando. Então fechou, oras! Pois é, conversei com o caboclo que estava atendendo e ele me disse que o ponto foi comprado. Já começaram as mudanças, colocaram uma estufa medonha e, o pior, entrarão prontamente em reforma geral. Realmente uma pena.







É mais um boteco clássico do Rio de Janeiro que ficará apenas na memória dos benditos que pisaram naquele santuário comandado pela senhora portuguesa e sua filha, a Vera. Um bar com alma gigante que acolhia qualquer tipo de gente, sempre com o mesmo zelo. Dos transeuntes forasteiros aos vizinhos ali do Largo do Piolho, dos granfinos aos maltrapilhos, dos policiais da 17ª DP, que fica ao lado, aos gatunos. Todos estes sempre foram recebidos com um sorriso largo dos lindos azulejos floridos de cor laranja, com um abraço apertado das prateleiras de bebida, com o carinho do velho balcão e com o olhar protetor da imagem de São Cristóvão na parede. Aliás, além da imagem do santo, escudos de um time do bairro decoravam o local. O Vasco da Gama. 





Dona Olinda, sempre com um paninho na cabeça, estava há cinquenta anos no comando da cozinha. E como brincava de fazer comida! Bolinhos de bacalhau, bobó de camarão - às sextas -, pratos caseiros em geral e as deliciosas e famosas empadas de camarão, carro chefe da casa. Geralmente eram três fornadas ao dia. 







O velho Jardim da Quinta Bar deixa muitos cotovelos órfãos, que a partir de agora terão que buscar repouso noutros balcões acolhedores. Arrancaram um bonito pedaço do bairro de São Cristóvão, os amantes dos bares tradicionais estão de luto e já sentem saudade. 

Até.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

LANCHES PEIXINHO

Estive trabalhando há duas semanas em São Paulo, foram três dias de batente. Como não poderia deixar de fazer, aproveitei para rever os amigos. Na primeira noite fomos ao grande bar Amigo Leal para beliscar algo e beber um maravilhoso chope numa tulipa estupenda. Mas isso é resenha para outro dia.

Venho aqui para escrever sobre nossa bebedeira do dia seguinte, quando visitamos um lindo bar na Lapa chamado Lanches Peixinho. Grande nome, que aliás, pouca gente conhece. Juarez comanda este belo boteco, esquina de Albion com Gomes Freire, há pelo menos 25 anos. Cabra boa gente e muito atencioso. O local é um lindo pé-sujo, possui todos os prazeres que um cachaceiro necessita.  Eu, Arthur, Fernando e Danilo formamos o balcão e o bar era somente nosso. Aliás, tinha uma mulher, na casa dos trinta e cinco anos, sozinha bebendo sua cerveja num canto da casa. Para quem gosta de hospitais de almas, aquilo era um parque de diversões. Tudo bem antigo (mas conservado), uma bacana geladeira de madeira, prateleiras com fartura de bebidas quentes, estufa com ovo cozido, linguiça e excelente torresmo. Se quiser um sanduba o Juarez prepara um bauru esmerado. Potes com doces clássicos como pé-de-moleque, doce de abóbora, doce de batata e paçoca ficam logo ali no balcão. E, é claro, cerveja trincando.







  


Enfim, o lugar é uma jóia cada vez mais rara. Mas que fique claro, não é para descolados, não é da moda e não tem "gente bonita". É para o povo beber sua cerveja e descansar a mente. A boniteza do local me obrigou a escrever este pequeno texto.


Abraço ao Juarez!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

PAPAI NOEL LUSITANO NA RUA DO MATOSO

Dia 24 de dezembro de 2012. Véspera de natal e ao mesmo tempo um dia como outro qualquer para os frequentadores dos bares da região. Começo de tarde, eu e mais dois amigos, Léo e Edu, convidamos o Albanês, marido de minha mãe, para mais uma resenha cotidiana no baixo Matoso, já pelas bandas da Praça da Bandeira. Tínhamos fome e por isso o bar escolhido foi o Galeto Rex, que na minha opinião é o melhor. Somos locais no pedaço, portanto logo nos arrumaram mesa e cadeiras, e sem que pedíssemos veio a cerveja. O papo estava legal, ritmo de fim de ano e época em que as preocupações são jogadas para debaixo do tapete. Comemos com vontade a farta comida, o que nos fez calar a boca por alguns instantes. Recolhidos os pratos, as atenções se voltaram novamente apenas para a cerveja, que agora tinha como coadjuvante a generosa dose de Underberg servida no local (nacional, diga-se de passagem). Estávamos bem acomodados, veio até aquela preguiça boa pós almoço. Muito agradável.

Nossa tranquilidade foi interrompida no momento em que um dos cidadãos que estava na calçada do bar ao lado começou a gritar:

- Olha o Papai Noel!!!! É o Papai Noel!!!

Eis que entra na rua do Matoso um Escort azul todo remendado, com alto-falante externo que tocava no último volume os hinos dos clubes cariocas. Estavam coladas no alto-falante, bandeirinhas do Brasil, uma foto de um leão e outra de dois tucanos (?!). Quem dirigia o possante? Era mesmo o Papai-Noel, que estava com sua roupa completa e óculos escuros. O bom velhinho estacionou o "trenó" diante do bar Matosinho (farei em breve a resenha deste bar espetacular) para delírio dos fregueses e mendigos locais. Ao sair de seu veículo, cumprimentou alguns populares e caminhou em direção ao Rex, onde estávamos, seguido pela comitiva de curiosos. Sentou-se no banquinho, pôs o cotovelo direito no balcão e usou a mão esquerda para educadamente chamar o garçom e pedir:

- Uma Brahma gelada e uma galinha, por favor.

Neste momento tivemos a certeza que tratava-se de um Papai-Noel diferente, não por estar comendo galinha e bebendo Brahma, mas por não ser originário do Pólo Norte. Ele falava português, mas com sotaque lusitano!

Albanês correu para brindar com o Papai Noel.


Ficamos curiosos e deixamos ele comer em paz para depois fazermos a aproximação. Eis que, quando ainda estávamos perplexos com a presença de nosso ídolo de tempos de criança, surge, como se nós três estivéssemos sonhando, Milton Nascimento. O músico parecia à vontade, falou com a gente, deu um abraço apertado no Léo e pediu costela com aipim. Falou com o Papai-Noel e dividiu o balcão com ele, disse aos atendentes que já o conhecia há tempos, dos "bailes da vida". Foi um momento único, tenho certeza que nunca vou esquecer deste dia. Emoção ao quadrado, bem na Praça da Bandeira.


  Milton e Papai Noel ao fundo conferindo o saco.

Noel acabou de comer (comeu a galinha sem tirar as luvas brancas), palitou os dentes, deu uma conferida no saco e foi falar com a gente. Era de Portugal mesmo, de Braga, e tinha 73 anos. Velho simpático, falou da dureza de seu trabalho e da jornada que iria ter pela frente naquele dia. Comentou ainda que sempre que podia passava por ali para comer no Rex, que para ele também é o melhor galeto do mundo. Ficou encantado com meu fusca 67, e com toda a educação pediu para sentar no banco do motorista. Disse também que seria um belo trenó, foi um orgulho pra mim. Antes de partir para cumprir sua missão, tirou foto com povo, aumentando mais ainda o clima natalino na região.


 Papai Noel palitando os dentes após almoçar.

     Ele no fusca. Emoção...

   Com os populares.


Milton continuou no bar, ao acabar de comer cantarolou "Travessia" e disse a todos que a energia daquela esquina era muito positiva, o fazia lembrar de velhos tempos.

Foi, meus caros, um dia muito feliz.

Até.

*** As duas últimas fotos são de meu amigo Leo Boechat.