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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

UM SÁBADO SUBURBANO

No primeiro domingo do ano estive na gloriosa rua Casemiro de Abreu para a inauguração de uma laje. Um camarada meu da área convidou-me para o evento. A rua inteira deu as caras, e a festa estava realmente animada. Eu fiquei impressionado com os preparativos. Teve fita vermelha para ser cortada, cerveja e comida sem miserê, piscina estilo "Toni" para quem quisesse espantar o calor, samba nas caixas de som e muito papo. Pois neste dia, meu companheiro de copo e de conversa foi o Toninho. Toninho é um português que veio para o Brasil com dois anos de idade e nunca mais voltou. Hoje tem cinqüenta e cinco. Além disso, é o maior soltador de pipas da região. Foi durante a prosa que ele me informou que no dia nove de janeiro haveria o primeiro campeonato de pipas do ano ali no bairro da Abolição. Prometi presença e mantive palavra, no último sábado estava lá.

O bairro da Abolição, assim como a maioria do subúrbio carioca, tem uma lojinha de pipas em cada rua, e a venda também é feita dentro da casa das pessoas mesmo. Eu sou perna-de-pau na arte de soltar pipas, pois aqui na minha rua o forte era a tradicional pelada no asfalto, pião e a bola de gude. Soltava-se pipa, mas eu nunca levei jeito.

Cheguei na Casimiro de Abreu um pouco atrasado, por volta das onze da manhã, mas ainda peguei parte da peleja. Tinham crianças dos cinco aos oitenta participando, e no final de tudo a barbada se confirmou, Toninho. Eu assisti tudo de dentro do bar do seu Geraldo (veja sobre ele aqui) bebendo minha gelada, pois aproveitei mais um dia para visitá-lo.

A rua estava especialmente encantadora neste dia, toda a coroada estava com suas cadeiras na calçada, os velhos com suas cervejinhas e dominó e as velhas passando tabuleiros de bolo para a criançada dizendo:

- Saco vazio não fica em pé... Venham comer!

Os moradores se conhecem há muitos anos e por conta disso deixam suas casas abertas e ficam fofocando por ali. Como há fofoca no subúrbio. A falação do dia, por exemplo, era sobre o Merenda, um gordão de uns duzentos quilos que acabou de separar-se da mulher e parece que agora só trás avião pra dentro de casa. Cochicharam também sobre o novo filhinho do Everaldo, da casa amarela, pois parece que o garoto nasceu com um dedo a mais no pé. Se perguntavam sobre a Lucia, uma vizinha de meia idade que ainda não arrumou homem. Estes temas do cotidiano são o combustível para o blá blá blá.

Eu via e escutava tudo lá do Geraldo, pois não saía dali nem por um decreto com aquele calor. A cerveja do Geraldo, meus caros, deixa pra lá. E quando estava por ali conversando com um e com outro surgiu o meu amigo Luis, que vive ali e também coleciona vitrolas como eu. Antes de nos abraçamos efusivamente já havia lhe dado um copo cheio da gelada. A primeira coisa que falou foi a seguinte:

- Me espere aqui. Vou até minha casa pegar meu novo brinquedo para você babar.

E eu, ansioso:

- Não demore, vou pedir mais uma.

Em dois ou três minutos estava ele de volta com três lps na mão de 78 rotações e uma caixinha bem pequena, mas pesadinha. Quando ele foi abrindo a caixa, me dei conta de que era uma espécie de vitrola. Ele explicou:
- Este é um gramophone portátil suíço de 1942, feito especialmente para os soldados que estavam na guerra. Está em perfeito estado, e funciona à manivela.

Porra, eu confesso que me emocionei quando vi a criança girando pela primeira vez, Que som! Ficamos ali bebendo cerveja, dando corda no aparato e escutando discos no meio da rua, em frente ao Geraldo. Os velhos se aproximaram com ares de saudade e ficavam olhando calados, com o pensamento sabe-se lá aonde. A molecada largou a traquinada de lado e também chegou para ver a nova tecnologia. Não ficavam quietos, queriam saber o que era aquilo e da onde saía a música.

Eu esqueci de todos os meus problemas neste dia. Cada vez tenho mais certeza que as coisas mais simples são as que nos dão mais prazer e felicidade. Queria muito que todos os meus amigos estivesse ali comigo vivendo o que vivi, pois são como eu e iriam se emocionar da mesma forma.

Vos deixo com um pequeno filme que fiz, em que o Luis bota a vitrolinha pra funcionar. Notem a tranquilidade da rua suburbana.




Até.