sábado, 15 de novembro de 2008

PAREI NA PRAÇA XI

Neste sábado ensolarado de praias poluídas, resolvi andar. Saí de casa em direção ao centro. Entrei pela vazia rua do Matoso, e percebi que o único que não respeitou o feriado foi o seu Zé da quitanda. Fui caminhando devagar, às vezes parando, e prestando atenção nas construções mais antigas, nas ruas mudas do bairro. Chegando no largo do Estácio, aos pés do morro São Carlos, o agito era um pouco maior. Algumas crianças na rua, um homem na esquina fazendo churrasquinho, e outra meia dúzia de pessoas preparando um sambinha. O sol parecia incomodar-me um pouco mais naquele momento, talvez por causa da falta de sombra.

Resolvi continuar a andança, e tive então que decidir entre a rua Frei Caneca e a Avenida Salvador de Sá. Decidi pela segunda porque tem mais árvores. Saí então do bairro do Estácio e entrei na Praça XI, um bairro outrora menos escarrado pelas autoridades. Caminhei bem devagar, olhei dois senhores conversando, um de dentro de casa, na janela, e outro na calçada, com uma boina cinza. Olhei um mendigo dormindo no chão, um molequinho andando de bicicleta, e uma mulata cadeiruda no ponto de ônibus. Imediatamente me recordei da antiga Vila Mimosa. Parei um pouco, esperei a cadeiruda pegar o coletivo, e comecei a apreciar a beleza do local. Há quem não veja beleza ali, ou até mesmo quem ache o lugar o mais feio da cidade. Aquela antiga Vila Operária caindo aos pedaços, implorando por dias melhores, realmente me deu dó. Mas os moradores estavam todos com um esgar feliz, com sorrisos na cara, talvez seja o amor pelo bairro. Tive sede. Voltei a andar, desta vez procurando um botequim. Entrei numa ruazinha chamada Laura de Araújo, repleta de casas centenárias, e achei um bar. Gargalhadas medievais vinham do fundo, jogavam sinuca. Entrei e pedi uma cerveja. Fui sedento nos primeiros goles, e a temperatura geladíssima da bebida quase quebrou-me os dentes. Não tinha pressa, e resolvi sentar no degrau de entrada, para ficar olhando a rua. As casas antigas chamaram-me atenção, e os sobrados quase me hipnotizaram.

Nossa arquitetura histórica está aí, sofrendo, resistindo, solitária, suplicando, torcendo para que não venha o moço da britadeira e comece a arrebentar tudo. Está precisando de carinho, de gente que lhe dê o devido valor.

Decidi não seguir em frente, fiquei por ali. Acabei a cerveja, visitei outras pequenas ruas, e encarei várias outras casas do século retrasado. Sei que se pudessem falar pediriam algum tipo de ajuda.

Cheguei em casa há pouco, pensativo. Temos um belo casario pela cidade, poucas são as construções que tiveram a dignidade de receber uma reforma. Por que fingir que isso não é nosso? Várias perguntas estão na minha cabeça, mas não deixarei que a raiva e a tristeza tomem conta de mim.

Tenho certeza que são fortes, e ainda acolherão muitas gerações de famílias risonhas.

Salve a Praça XI.

Até.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

COMBATE NA MADRUGADA TIJUCANA

Quando saía do Columbinha - me apaixono cada vez mais por este bar - hoje à uma da matina, depois de algumas ampolas abatidas com a ajuda de amigos e camaradas, tive o prazer de ver uma cena inusitada.

Dois caboclos, um magro, com cara de que tinha virado quatro noites seguidas, e outro gordinho, de óculos, camisa do Real Madrid, e que carregava uma caixa debaixo do braço, sentaram-se no fundo do bar, à beira do balcão, pediram um litro de skol, abriram um tabuleiro de xadrez, e começaram a jogar. Resolvemos ficar um pouquinho mais para olhar a disputa de longe. Uma hora depois, com uma chuvarada nunca vista do lado de fora, eles foram embora. Pedimos a saideira e fomos também.










Este belo combate, realizado nesta madrugada, em um botequim tijucano, terminou dois a zero pro gordinho.

Até.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

BAR RAINHA DE SANTANA

É com certa frequência que vou ao Bar Rainha de Santana, mais conhecido como Bar do Marimbondo por causa da cachaça que leva este nome e é muito consumida no local. Esta birosca fica ao lado do meu trabalho, por isso a facilidade de minha presença. É o único bar que conheço que tem como carro chefe uma cerveja preta, a Black Princess, e que é o motivo de minhas idas quase diárias.

Quando chego dou "boa noite" para todos, mas com uma pitada a mais de carinho para a dupla da mesa da pilastra. Dizem que gostam mesmo é do balcão, mas suas pernas não concordam muito com a idéia. Amilcar e Dirceu são amigos há setenta anos, eu disse SETENTA, e bebem juntos há mais de meio século. Nasceram em casas vizinhas na rua do Riachuelo, brincaram na mesma calçada, e estão aí até hoje. Acho que posso dizer que são irmãos.

Neste pé-sujo o que há é boa gente. Bebe-se no balcão, nas mesas, ou na calçada. E o Severino toca o botequim com muito gosto, provocando o paladar da clientela com jóias de sua apurada culinária. Os restaurantes de comida à quilo que fazem a concorrência não preocupam este cearence arretado. São vários os acepipes, e os tabuleiros de batata calabresa da casa saem três vezes por dia da cozinha por causa da grande procura.

Seu Amilcar e seu Dirceu degustam as iguarias diariamente enquanto relembram os momentos do passado, e vivem assim um belo cotidiano de amizade regado a cerveja e botequim. Que esta amizade dure por muito anos, deixando assim o bar do Severino com um pouco mais de nobreza. A amizade desta dupla de senhores só podia ser alimentada num boteco, que coisa bonita.



Seu Amilcar e seu Dirceu.















Até.

domingo, 19 de outubro de 2008

TIRO O CHAPÉU

Em 1880, quando Thomas Edison acabara inventar a lâmpada, o avô do Seu Almir abria as portas da Chapelaria Porto. A mais antiga chapelaria do Rio de Janeiro, e talvez do Brasil, fica no bairro da Saúde. As antigas escadas de madeira do casarão nos levam ao sobrado, e a cada degrau vencido temos a impressão de que estamos entrando numa espécie de túnel do tempo. Neste sobrado secular trabalha este homem que já perdeu há muito tempo a luta contra os cabelos brancos. É o incansável Seu Almir, neto do falecido seu Honório, que fundou esta jóia há 128 anos.

Ele conta que seu pai foi chapeleiro de quase toda a boemia carioca nos anos 30 e 40, e também já vez muita cartola pra gente importante usar nas festas da Confeitaria Colombo.

Além de vender chapéus, ele os fabrica, e de forma artesanal. Coisa rara neste nosso mundo de andróides. A especialidade são os Panamá, mas encontramos de vários modelos.

O orgulho de comandar tal negócio é facilmente percebido no olhar e no entusiasmo deste velho homem ao falar de suas mercadorias. Gosta de explicar tudo, mostrar todos os detalhes. Basta uma rápida passada de olhos na cabeça do cliente que ele afirma:

- Chapéu pra você tem que ser número 58, pode experimentar.

Não dá outra.

E se mesmo assim o cliente achar que está um pouco apertado não há problemas, é só colocar o chapéu no "moderno" alargador manual do século XIX, herança do vovô Honório. Seu Almir herdou ainda, a máquina de costurar Singer com seu devido móvel - que está em pleno funcionamento -, e os moldes de madeira para fazer os chapéus, que estão com mais de cem anos também.



O orgulhoso Seu Almir.



Um dos moldes de madeira.



O alargador de chapéus.



A máquina Singer.



O detalhe do móvel Singer.















O cartão da casa foi desenhado pelo Seu Honório no tempo do onça.


E ele vai tocando a vida assim, num bairro na Zona Portuária, teimando, resistindo, debochando da modernidade com produtos de alta qualidade feitos por suas mãos, e com a ajudinha de suas ferramentas praticamente extintas no mundo.

É realmente muito bonito e emocionante visitar este local.

Vale lembrar também que o filho do seu Almir divide a labuta com ele na intenção de perpetuar esta maravilha.

Nos resta apenas desejar longa vida à Chapelaria Porto!

Até.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

MÚSICA DE BAR 2

No fim do mês passado lhes mostrei aqui um vídeo do seu Waldir. Pois é, na mesma noite, após a apresentação do seu Waldir, entrou em cena o seu Jorge. Os dois cantam sempre às terças e quintas em um bar no Centro, o qual não falarei o nome. Nesta semana estarei prestigiando estes dois homens novamente.

Seu Jorge está com 72 anos, tem um gogó de ouro, e canta Nelson Gonçalves, Orlando Silva, e alguns boleros. Seu repertório é isso. Todos os moribundos que populam o lugar esperam ansiosos pela entrada triunfal do seu Jorge, que antes de soltar a voz agradece no microfone:

- Muito obrigado, sem vocês não seria possível esta apresentação.

Logo depois dá uma piscadinha para o Ribamar, que comanda a guitarra, e a canção se inicia.

Seu Jorge mora no local onde trabalha, na rua da Alfândega. É funcionário de uma dessas lojas de tecidos comandada por um turco qualquer. Diz que ama viver ali, e não troca o "SAARA" por uma casa no sul da França.

É mais um homem brasileiro que faz história para poucos com extrema intensidade, no seu cantinho, com seu povo, vivendo feliz.





Sou um sortudo por poder acompanhá-lo.

Até.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

MÚSICA DE BAR

Seu Waldir está com 76 anos, é asmático, bebe, fuma pacas, e canta. Mora em um sobrado na rua Gomes Freire, no Centro, com a mãe de 97 anos. Todas as terças e quintas faz a alegria do povo soltando sua voz pelos botequins, e não cobra nada para cantar. O seu repertório melancólico não intimida o pessoal, que ainda pede "bis" após cada canção. Sou fã do Waldir, vou prestigiá-lo quase sempre, e bato palmas para ele.



Até.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O REI DAS CHINELAS

Foi em 1973 que o seu Figueiredo abriu sua simpática loja na Praça Afonso Pena, Tijuca. "FIGUEIREDO, O REI DAS CHINELAS" é o nome pomposo da lojinha. Este português de Guimarães é um mistério. Quando cheguei em seu estabelecimento para fazer as fotos, disse que não poderia fazê-las da porta para dentro, e muito menos queria ser fotografado. Perguntei-lhe o motivo e disse-me que seus espíritos não achariam bom. Achei curioso, não sei se foi um modo de me enrolar, mas respeito acima de tudo. Arrematou dizendo que se a sua foto fosse divulgada por aí, ninguém mais iria querer aparecer na loja. Deve se achar feioso, o sujeito.

Este senhor além de vender as antigas chinelas, chinelos, e sapatilhas, faz o conserto das mesmas. Todos aqueles apetrechos antigos de um bom sapateiro estão à mostra no local ao lado de algumas imagens de santos. Consegui apenas fotografar o letreiro e uma das vitrines, que para a minha alegria tinha um adesivo do meu América com o dizer: "UMA QUESTÃO DE AMOR".









Descolei poucas informações de seu Figueiredo, uma delas é que ele vive na Tijuca, na rua Mariz e Barros.

A Praça Afonso Pena é um ponto magnífico, e perguntei-lhe se venderia algum dia, ou se alguém já lhe havia feito propostas:

- Não saio daqui, não existe loja igual a minha. Além do mais não preciso de dinheiro, gosto mais destes sapatos.

Foi curto e grosso.

O que vale é que o lugar é interessantíssimo, tijucano, e já que não consegui mostrar seu interior, e a cara do dono, vale uma visita.

Até.